Terras indígenas são arrendadas ilegalmente em aldeia
Três agricultores plantam soja e milho na Aldeia Te'yikue, em Caarapó; lideranças contrárias são ameaçadas
Proibido pela Constituição Federal de 1988, o arrendamento de terras indígenas por agricultores “brancos” está se espalhando pela Aldeia Te'yikue, no município de Caarapó.
Pelo menos três moradores da cidade estão tomando conta de áreas da reserva para plantar milho e soja. Como pagamento, os verdadeiros donos das áreas recebem pequenas quantias em dinheiro e cestas de alimentos. Quem se opõe, é ameaçado.
Com sete mil moradores da etnia guarani-kaiowá, a Aldeia Te'yikue tinha, até pouco tempo, apenas culturas de subsistência, mas nos dois últimos anos, as roças de mandioca, arroz, batata e abóbora estão perdendo terreno para a agricultura profissional.
Moradores relataram ao Campo Grande News que as lavouras aumentam a cada safra. Nesta semana, tratores foram flagrados preparando a terra para o plantio de soja, que começa em 16 de setembro.
“Os arrendatários estão tomando a maior parte da aldeia, tirando famílias originárias do seu local, provocando brigas entre indígenas. Mesmo sem aceitação da comunidade, eles estão entrando”, afirmou liderança da Te'yikue ouvida pela reportagem.
Por medida de segurança, o guarani-kaiowá pediu para seu nome não ser revelado. “Uma das lideranças foi falar com os arrendatários e foi ameaçado. Falaram que ninguém manda na aldeia”, afirmou. “As terras são indígenas, mas os donos de fato atualmente são os agricultores”.
Conforme os moradores, as regiões mais afetadas pelos arrendamentos são M’bokaja, Savera Yvy e Sanka Pytã. “Estão preparando as terras sem aceitação da maioria e sem comunicar a liderança”, denuncia um morador.
Segundo os guarani-kaiowá, na Te'yikue é fácil encontrar as áreas exploradas por arrendatários. “Os moradores originais não plantam soja. Onde tiver soja, tenha certeza que é área dos arrendatários”, afirmou o morador.
O artigo 231 a Constituição Federal de 1988 proíbe o arrendamento e estabelece que as terras indígenas são bens da União para o usufruto exclusivo dos povos. Apesar da proibição, o arrendamento se mantém há quase 35 anos.
Em 2016, o deputado federal Vicentinho Júnior, de Tocantins, apresentou a Proposta de Emenda à Constituição 187 para permitir arrendamento de terras indígenas para agropecuária e mineração. Em 2019, a PEC chegou a ser aprovada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) da Câmara dos Deputados, mas no mesmo ano foi rejeitada em plenário e arquivada.
Em nota, o MPF (Ministério Público Federal) informou que acompanha denúncias de arrendamento de terras indígenas localizadas no município de Caarapó e inclusive ofereceu denúncia, em 2019, contra sete envolvidos que posteriormente se tornaram réus por estelionato, por se apropriar de imóvel alheio e porte ilegal de arma.
“A denúncia foi feita com base nas conclusões de inquérito policial instaurado pela Polícia Federal em 2016, cuja abertura foi requerida pelo MPF, com base em um relatório de visita da Funai, produzido à época. Considerando novos elementos, em 2021 o MPF instaurou novo procedimento investigatório criminal, cujo teor é sigiloso, para continuação da apuração dos fatos conexos com a denúncia efetivada nos autos. O procedimento segue em tramitação”, afirmou o MPF.
Problema antigo – Na região de Dourados, o arrendamento de terras indígenas chegou a ocupar boa parte das aldeias Bororó e Jaguapiru entre os anos 90 e primeira década dos anos 2000.
Há 10 anos, em agosto de 2013, pelo menos 30 pessoas, entre produtores rurais e indígenas, foram alvos de processos por arrendamento de 700 hectares em Dourados e 150 em Maracaju. Na época, o MPF informou que os arrendamentos ilegais ocorreram entre 1996 e 2008. Assim como ocorre atualmente em Caarapó, as famílias tradicionais recebiam valores irrisórios pelo uso das terras.
*Matéria alterada às 17h40 para acréscimo das informações do MPF.
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