Paraíso em risco: troca do boi por lavoura ameaça águas de Bonito
Depois da lama em novembro, Rio da Prata volta a ser cristalino; Mas problema está longe de ser águas passadas
O susto veio em novembro: as águas cristalinas do Rio da Prata, que se espalham por Bonito e Jardim, se tornaram águas turvas. Com o passar dos dias, o rio restabeleceu sua fama, mas o problema está longe de ser águas passadas e parte dele está no avanço das lavouras de grãos onde era pastagem.
A 21 quilômetros da área urbana de Bonito, o município de belezas naturais que atrai 230 mil turistas por ano, às margens da MS-178, uma extensa faixa de terra mostra marcas recentes da troca do gado pelo cultivo de soja. O verde ainda incipiente das pequenas plantas domina a paisagem. Pela área, árvores foram retiradas e repousam no solo.
O local também exemplifica um problema comum nesse retorno das terras de Bonito para a lavoura: não há curvas de nível, que têm função de reter a água da chuva. Sem barreiras físicas, a enxurrada segue para as estradas, chega aos rios menores, que vão desaguar nos chamados rios cênicos e os sedimentos turvam as águas cristalinas. A falta da curva de nível em lavouras de soja em duas fazendas levou lama ao Rio da Prata.
Os guias de turismo contam que os rios – como o da Prata e do Peixe – tinham alterações na cor da água quando acontecia chuva forte, com duração de um dia e uma noite, por exemplo; agora, qualquer chuva já turva as águas e com demora cada vez maior para a normalização.
A lavoura também preocupa pelo uso de agrotóxicos e vazio sanitário da soja. “A atividade agrícola gera mais renda, mas o turismo, mais empregos”, afirma o guia turístico Igor Luiz Biolo, que trabalha na área há 18 anos.
Há 25 anos levando turistas para conhecer as maravilhas de Bonito, Francisca do Carmo Firmo, a Carminha, é porta-voz do grupo “Unidos conquistamos”, que organizou mobilização na última terça-feira (dia 11) com pedido para salvar os rios do município. “O negócio é urgente. Tem que juntar o poder público, Ministério Público, trade turístico, agricultor, pecuarista para pedir socorro, todo setor é importante”, afirma.
Até a década de 1980, o município tinha a agropecuária como principal atividade econômica, a partir de 1992, as fazendas, com suas grutas e cachoeiras, foram se abrindo para o turismo, num equilíbrio entre os dois setores.
“Faço os passeios todos os dias há 25 anos. É muito triste quando você chega com o cliente para apresentar uma água cristalina e a situação está diferente”, diz guia.
Dono do restaurante Casa do João, João Roza Vizcaino afirma que a situação é preocupante e por isso participa da mobilização. O empresário - que há 21 anos trocou Santos, no litoral paulista, por Bonito-, emprega 60 pessoas.
São Pedro, estradas e fazendas
Na audiência pública realizada segunda-feira (dia 10) em Bonito, o coordenador do Núcleo Ambiental do MP/MS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), promotor Luciano Loubet, apontou três causas para o turvamento dos rios.
Para ele, participam dessa conta São Pedro, santo considerado o guardião da chuva; as estradas , que responderam por 70% do problema; e as propriedades rurais nas margens dos rios, com responsabilidade de 30%.
“Como não dá para fazer um TAC com São Pedro, temos que recuperar a mata ciliar e fazer as caixas de retenção nas estradas”, afirma promotor.
TAC é um termo de acordo utilizado pelo MP para resolver demandas sem judicializar as questões. Na reunião, com público de 400 pessoas e pitadas de animosidade entre representantes do turismo e do agronegócio, foi apontado o caminho para fazer as pazes. No caso, o manejo correto do solo, para que as propriedades rurais tenham mecanismo para reter a água da enxurrada.
Porém, o cenário mais comum são áreas arrendadas, com uma jogada arriscada: plantio direto, mais barato, porém, onde a chuva forte pode vir e lavar o solo, levando todo o investimento.
“O produtor que teve a sua lavoura lavada e jogada no Rio do Prata perdeu todo o serviço de gradeamento que fez na fazenda, todo o adubo e correção de solo, toda a semente que ele jogou no chão e mais a máquina que usou no trabalho. Agora, além de ter perdido todo o investimento do plantio, ele tem que fazer conservação do solo a toque de caixa”, afirma o secretário de Meio Ambiente de Bonito, Edmundo Costa.
No caso da fazenda citada no começo da matéria, a informação no local é que o dono da terra mora no interior paulista e que a área trocou de arrendatário, passando de pastagem para lavoura.
O relato é de que, devidos a muitas denúncias, o arrendatário já deixa documentação na fazenda para mostrar para a fiscalização e provar que o dono efetivo da propriedade rural fez os procedimentos corretos no Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul).
Outra possibilidade suscitada nos debates foi a exigência de licenciamento prévio para a lavoura. Ou seja, antes de retirar a vegetação e preparar a terra para o plantio, o proprietário deveria apresentar um projeto e provar que executou as medidas corretas para o manejo do solo.
Porém, a hipótese foi descartada pelo titular da Semagro (Secretarias Estadual de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar), Jaime Verruck. “Não temos e não teremos”, disse, sobre a possibilidade de licenciamento prévio.
De acordo com o secretário municipal de Turismo, Indústria e Comércio, Augusto Mariano, as lavouras em Bonito passaram de 17 mil hectares para 51 mil hectares.
“Isso pressiona o meio ambiente, não é um desmatamento absurdo, mas transforma”, diz secretário.
“Que não se fique culpando um único setor”
Presidente da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), Mauricio Saito, defendeu a agricultura durante a reunião e colocou a área técnica à disposição para auxilar na conservação do solo.
“Que não se fique culpando um único setor. Há 40 anos, Mato Grosso do Sul era importador de alimento e hoje responde por 50% dos grãos e carne”. Para ele, o turvamento das águas do Rio da Prata foi uma fatalidade, com a concentração de muita chuva (220 milímetros) em pouco tempo.
O governo do Estado vai publicar decreto ainda em dezembro mudando as regras do comunicado de "licenciamento ambiental para corte de árvores nativas isoladas para uso alternativo do solo".
Conforme Verruck, a alteração será válida para Bonito, Jardim e Bodoquena. Ou seja, agora, ao solicitar a retirada das árvores isoladas na pastagem, necessária para que se comece a lavoura, o produtor terá que apresentar projeto de conservação de solo e microbacia.
Estrada de lama
Bonito tem 4,5 mil quilômetros de estradas vicinais, que também são caminhos para conduzir as enxurradas até os rios. Mas, para a prefeitura, a “culpa” das estradas é relativa, porque a água vem das propriedades rurais.
Já o governo do Estado corre atrás de reparos para duas rodovias: MS- 178 (que liga Bonito a Bodoquena) e MS-382 (Bonito a Guia Lopes). Estão sendo executadas bacias de contenção com três metros de profundidade nas laterais das rodovias para segurar os sedimentos.
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