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Capital

Horas após operação, empresa vai à Justiça para tirar famílias do “Carandiru”

Em nome de moradores, Defensoria Pública reagiu e fala em uso da polícia para “tentativa forçada de expulsão”

Anahi Zurutuza | 14/06/2023 20:24
Movimentação policial no Carandiru, na manhã do dia 6. (Foto: Henrique Kawaminami/Arquivo)
Movimentação policial no Carandiru, na manhã do dia 6. (Foto: Henrique Kawaminami/Arquivo)

Exatamente às 16h48, dez horas após megaoperação policial “acordar” os moradores do chamado “Carandiru”, a Construtora Degrau Ltda., responsável por erguer blocos de apartamentos abandonados no Bairro Mata do Jacinto, foi à Justiça para reaver o prédio invadido. O novo pedido feito em ação que tramita desde 2013 cita a Operação “Abre-te Sésamo” como motivo para juiz determinar a “imediata reintegração de posse”.

A empresa alega que a ação policial evidenciou “a precariedade do local e risco à vida dos que ali moram”.

Em nome das famílias, algumas delas que resistem à iminência de despejo há duas décadas, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul entrou no litígio e classificou a ação policial como “tentativa forçada de expulsão dos moradores, em evidente usurpação da função jurisdicional [das forças de segurança] para atender interesses privados”.

Pelo menos 46 famílias vivem no condomínio que foi invadido há duas décadas. (Foto: Henrique Kawaminami/Arquivo)
Pelo menos 46 famílias vivem no condomínio que foi invadido há duas décadas. (Foto: Henrique Kawaminami/Arquivo)

A ocupação - Há 18 anos, os três blocos inacabados de 16 apartamentos no Residencial Atenas, localizado na Rua Jamil Basmage, em bairro do norte de Campo Grande, ganharam o apelido de “Carandiru”. Em outubro de 2005, após a falência da Degrau, o condomínio foi invadido e passou a ser ocupado por cerca de 40 famílias, num total de 200 pessoas.

Na manhã daquela terça-feira, 6 de junho de 2023, quando moradores foram surpreendidos por mais de 200 policiais – um total de 321 agentes da polícia, perícia, assistência social e bombeiros – e até um helicóptero, os 16 apartamentos haviam sido subdivididos e transformados em 46.

A operação policial classificou o local como “fábrica de crimes”, com registro de venda de drogas, armas e até homicídios. Todas as moradias foram vasculhadas e dez pessoas levadas presas.

Defensor público Carlos Eduardo Oliveira (Foto: Paulo Francis/Arquivo)
Defensor público Carlos Eduardo Oliveira (Foto: Paulo Francis/Arquivo)

Defesa – Os defensores Regina Célia Rodrigues Magro e Carlos Eduardo Oliveira Souza questionam o empenho “repentino” dos órgãos de segurança em combater a criminalidade no local. Além das buscas e prisões feitas no Carandiru no dia 6, o Corpo de Bombeiros vistoriou e interditou o prédio constatando o óbvio, que a construção inacabada “não possui as medidas de segurança contra incêndio e pânico”. Foram ainda identificadas ligações clandestinas de luz no local, a Energisa foi acionada e desfez os “gatos”.

Para a Defensoria, “a condução desastrosa da operação policial teve como desdobramento a violação da dignidade já fragilizada das famílias, ao acionar o Corpo de Bombeiros para realizar vistoria que interditou o local, gerando a notificação da Energisa para suspender o serviço de energia, deixando os moradores do Residencial Atenas sem o serviço essencial”.

“Famílias em condição de vulnerabilidade foram pegas de surpresa, sofrendo duros prejuízos com a inexplicável ação. No local, há pessoas em tratamento de saúde e que dependem dos serviços essenciais para manter medicamentos refrigerados. Crianças deixaram de ir para a escola porque os pais precisaram se abrigar em casas de parentes para atender as condições mínimas existenciais de suas famílias. Pais deixaram de ir ao trabalho com medo de deixar seus filhos sozinhos naquela condição”, relataram os defensores na manifestação judicial, protocolada nesta quarta-feira (14).

Energisa foi chamada para desativar "gatos". (Foto: Henrique Kawaminami/Arquivo)
Energisa foi chamada para desativar "gatos". (Foto: Henrique Kawaminami/Arquivo)

Os advogados públicos lembraram que em 2019 o Corpo de Bombeiros havia feito vistoria nos blocos de apartamento e encontrou a mesma situação, mas não interditou o condomínio, para não “prejudicar o direito dos ocupantes em relação a cada uma das unidades que habitam”. Lembrou ainda que a concessionária de energia chegou a ter 51 unidades consumidoras no local.

Regina Célia e Carlos Eduardo levantam uma suspeita. “Quais interesses atenderam a interdição do local e suspensão do serviço de energia?”.

Defensores querem o indeferimento do pedido de reintegração de posse feito pela construtora, que a Energisa regularize as ligações de luz no local e que o TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) crie uma Comissão de Conflitos Fundiários para buscar uma solução para moradores.

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