“Meu pai não deixou ela viva”, disse irmão de menina de 2 anos assassinada
Durante escuta especial, garotinho de 5 anos descreveu cenas de violência que presenciou e fez confissão
“Só que meu pai não deixou ela viva”. A frase é uma das ditas pelo menino de 5 anos, irmão da garotinha de 2 anos - morta após ter sido espancada pelo padrasto, segundo investigação policial - em depoimento especial prestado, em fevereiro deste ano, na DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente).
O Campo Grande News teve acesso ao relatório da oitiva, uma das que embasa denúncia oferecida contra Christian Campoçano Leitheim, 25 anos, o padrasto da menina, e Stephanie de Jesus da Silva, a mãe, pelo assassinato. O garoto é filho de Christian e morava com o casal e as duas irmãs mais nova – a pequena que morreu aos 2 anos e 7 meses, além de recém-nascida.
Na ocasião, o garoto relatou as agressões que testemunhou. “São bravos pra caramba”, afirmou sobre o pai e a madrasta.
Uma longa ficha médica da menina em postos de saúde de Campo Grande não havia levantado suspeita até a noite de quinta-feira, 26 de janeiro, quando a criança deu entrada já morte e com sinais de abusos físicos e sexual na UPA (Unidade de Pronto Atendimento Comunitário) do Bairro Coronel Antonino. Em seus 31 meses de vida, a criança precisou de atendimento médico 30 vezes. A pequena chegou a ter queimadura no braço e até fratura na tíbia.
Questionado sobre se ele se lembrava da irmã ter machucado a perna, o menino respondeu afirmativamente. “Foi meu pai, meu pai que chutou ela para a rua, chutou ela duas vezes. Aí deixou ela machucada”. E ele continua: “regaçou a perna dela, pegou [algum objeto que não foi possível identificar na fala da criança] fez assim [demonstração de como teria ocorrido], depois beliscou a perna dela”.
Dentre os relatos das violências que já presenciou, o menino faz uma confissão. “Tô sentindo muita saudade dela”, afirmou, se referindo à irmã, cinco dias após a morte dela.
O crime – No dia 26 de janeiro deste ano, a menina de 2 anos e 7 meses deu entrada na UPA do Coronel Antonino, no norte de Campo Grande, já sem vida. Inicialmente, a mãe, que foi até lá sozinha com a garota nos braços, sustentou versão de que ela havia passado mal, mas investigação médica apontou lesões pelo corpo, além de constatar que a morte havia ocorrido cerca de quatro horas antes de chegar ao local.
O atestado de óbito apontou que a menininha morreu por sofrer trauma raquimedular na coluna cervical e hemotórax bilateral (hemorragia e acúmulo de sangue entre os pulmões e a parede torácica). Exame necroscópico também mostrou que a criança sofria agressões há algum tempo e tinha ruptura cicatrizada do hímen – sinal de que sofreu violência sexual.
O padrasto responde pelo homicídio com as três qualificadoras e pelo estupro, já a mãe da menina pelo homicídio, como o Christian, mesmo que não tenha agredido a filha, mas porque no entendimento do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) ela se omitiu do dever de cuidar.
Na delegacia, Christian optou por exercer o direito ao silêncio. Já Stephanie afirmou que o companheiro batia na filha como forma de correção, mas negou que ele tivesse espancado a enteada naquele dia. Ela alega que nunca denunciou por medo do marido, já que também era vítima de violência doméstica. Os dois ainda não foram interrogados em juízo.
A morte jogou luz sob processo lento e longo que a menina protagonizou com idas frequentes à unidade de saúde, tentativa do pai em obter a guarda após suspeita de que a criança era vítima de agressão e provocou série de audiências públicas, protestos e mobilização para criação da Casa da Criança, bem como soluções ao falho sistema de proteção à criança e ao adolescente em todo o Brasil.
(*) Os rostos dos réus nas dependência do Fórum de Campo Grande não são mostrados por determinação do juiz Carlos Alberto Garcete, uma vez que processo de homicídio tramita em segredo de Justiça e é dever dele preservar as imagens dos acusados.