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Capital

“Fui covarde”: mãe de menina de 2 anos assassinada escreve carta para amiga

Stephanie de Jesus da Silva, 24, fala de Deus, arrependimentos e liberdade no texto escrito dentro de presídio

Anahi Zurutuza e Ana Beatriz Rodrigues | 19/05/2023 21:23
Stephanie de Jesus da Silva, 24, de costas, durante audiências na tarde desta sexta-feira. (Foto: Paulo Francis)
Stephanie de Jesus da Silva, 24, de costas, durante audiências na tarde desta sexta-feira. (Foto: Paulo Francis)

Com frases como “fui covarde de não ter denunciado esse monstro antes” e “se arrependimento matasse”, Stephanie de Jesus da Silva, 24, escreveu carta, supostamente endereçada a uma amiga, para contar como têm sido os dias na cadeia, desde que foi presa por envolvimento no assassinato da filha de 2 anos, no dia 26 de janeiro. A jovem fala de religião, planos de Deus, saudades, preocupações e “conseguir vencer”.

A carta, a qual o Campo Grande News teve acesso, foi escrita em cela de presídio do interior, nesta quinta-feira (18), um dia antes de amigas de Stephanie terem sido convocadas para depor no processo que julga a morte da criança. “Oi amiga, tudo bem? Estou na medida do possível”, começa o texto. “Se quiser mandar carta para mim, pode mandar. Só vou conseguir responder quando eu tiver dinheiro”, continua.

A jovem afirma que está “orando muito” na penitenciária e indo aos cultos de sexta e sábado. “Só Deus para nos dar força neste momento”, completa.

Quase uma semana depois de ter trocado a assistência jurídica da Defensoria Pública por três advogados particulares, ela também comenta o assunto. “Deus me deu uma grande prova que são esses três anjos enviados por ele para me defender. Deus conhece meu coração e sabe que eu não fiz nada com a minha joia mais preciosa”.

Stephanie diz acreditar ainda que, agora, a filha “está brincando com os anjos e orando por nós”. O texto continua com a moça falando da falta que sente da amiga e da menina. “Vocês eram meu porto seguro”.

A ré por assassinato também fala em “vencer” e liberdade. “Não sei os planos que Deus tem para todos nós, mas sei que vamos conseguir vencer, e todos que me acusam de ter participado [do espancamento da criança até a morte], vão ver que estão errados, porque a verdade vai me libertar”.

A mãe cita o sofrimento dela e o compara com o da filha. “Não vai ser em vão. Quero justiça por ela”. Em seguida, diz que nunca deixará de amar a menininha e o pai biológico dela, Jean Carlos Ocampo da Rosa.

Ela segue falando da saudade da família. “Estou me sentindo só”. É quando Stephanie começa a dizer que foi covarde por não denunciar o companheiro Christian Campoçano Leitheim, de 25 anos, pelas agressões praticadas dentro de casa. A alegação da defesa da moça é que ela também era vítima de violência doméstica e por isso, não defendeu a filha do padrasto.

A ré finaliza agradecendo as pessoas que estão do lado dela. “Obrigada por não desistirem de mim” e pede que a família mande uma carta com foto da bebê mais nova, além de algum dinheiro.

Trecho da carta escrita por Stephanie. Nomes de crianças foram borrados. (Foto: Reprodução)
Trecho da carta escrita por Stephanie. Nomes de crianças foram borrados. (Foto: Reprodução)

Frente a frente – Stephanie ficou frente a frente, pela primeira vez desde a morte da criança, com familiares e outras testemunhas no dia 17 de abril. Como da primeira vez, nesta sexta-feira (19), a jovem deixou presídio do interior escoltada e entrou no Fórum por acesso restrito.

Com as mãos algemadas e escondidas debaixo de um casaco, ela chegou a ser colocada em plenário, mas a defesa pediu quando começaram os depoimentos que a cliente pudesse acompanhá-los em sala privada.

Mãe da menina assassinada e criança no colo do padrasto. (Foto: Reprodução)
Mãe da menina assassinada e criança no colo do padrasto. (Foto: Reprodução)

O crime – No dia 26 de janeiro deste ano, a menina de 2 anos e 7 meses deu entrada na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Bairro Coronel Antonino, no norte de Campo Grande, já sem vida. Inicialmente, a mãe, que foi até lá sozinha com a garota nos braços, sustentou versão de que ela havia passado mal, mas investigação médica apontou lesões pelo corpo, além de constatar que a morte havia ocorrido cerca de quatro horas antes de chegar ao local.

O atestado de óbito apontou que a menininha sofreu lesão na coluna cervical. Exame necroscópico também mostrou que a criança sofria agressões há algum tempo e tinha ruptura cicatrizada do hímen – sinal de que também sofria violência sexual.

O padrasto responde pelo homicídio com as três qualificadoras e pelo estupro, já a mãe da menina pelo homicídio, como o Christian, mesmo que não tenha agredido a filha, mas porque no entendimento do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), responsável pela acusação, ela se omitiu pelo dever de cuidar.

A morte jogou luz sob processo lento e longo que a menina protagonizou com idas frequentes à unidade de saúde – mais de 30 em 2 anos –, tentativa do pai em obter a guarda após suspeita de que a criança era vítima de agressão e provocou série de audiências públicas, protestos e mobilização para criação da Casa da Criança, bem como soluções ao falho sistema de proteção à criança e ao adolescente em todo o Brasil.

Cartas – O uso de cartas para que pessoas presas possam ser “ouvidas” e ganhem imagem um pouco melhor diante da opinião pública não é incomum. Em dezembro de 2021, o ex-vereador Jairo Souza Santos Junior, o Jairinho, já preso há quase nove meses no presídio Bangu 8, no Rio de Janeiro, acusado de matar o enteado Henry Borel, de 4 anos, deu sua versão sobre as acusações de tortura e homicídio em carta enviada ao UOL.

Texto escrito de próprio punho tirou homem da cadeia, após 4 anos de cárcere, em 2022. Ele enviou carta aos ministros da STF (Supremo Tribunal Federal), que depois, em processo, entenderam que o réu havia sido condenado sem provas por assalto.

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