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Capital

Para juiz, mãe, irmãs e filha narram horror vivido por Francielli antes da morte

Mulheres da família descreveram violência que vítima escondia de todos e só revelou dias antes de feminicídio

Adriano Fernandes e Miriam Machado | 12/04/2022 20:52
Família aguardando para prestar depoimento no fórum da Capital. (Foto: Paulo Francis)
Família aguardando para prestar depoimento no fórum da Capital. (Foto: Paulo Francis)

Terça-feira, dia 12 de abril. A data marca a realização da primeira audiência do processo de um feminicídio que chocou pelos requintes de crueldade. Em 26 de janeiro desse ano, Francielli Guimarães Alcântara, de 36 anos, foi morta estrangulada pelo marido, Adailton Freixeira da Silva, 46 anos, que a torturou por cerca de um mês enquanto a mantinha presa em casa, no Portal Caiobá, em Campo Grande. Adailton segue preso e seu depoimento foi marcado para o próximo dia 9 de maio.

Hoje (12), foram ouvidos o genro, homem com quem Francielli teve relacionamento, nora e o filho que a vítima teve com o assassino, um adolescente de 17 anos. Também prestaram depoimento a mãe da vítima, as irmãs e a outra filha de Francielli, Érika Guimarães de Alcântara de Jesus, que em detalhes, relataram a série de torturas sofridas pela vítima em uma relação marcada pelo abuso e violência extremos.

“Teve um dia em que ela (Francielli) escorou na parede e fez cara de dor. Perguntei o que era, ela acenou com a mão para que eu não falasse nada na frente dele. Quando olhei as costas dela, estava retalhada com faca”, disse Érika durante o depoimento no Fórum de Campo Grande. O motivo das facadas, segundo a filha, seria a descoberta do relacionamento que Francielli mantinha com um outro homem. “Ele riscava as costas dela todo dia enquanto perguntava do amante dela”, completa.

Durante o depoimento, Érika contou que a primeira agressão física que se lembra de ter visto a mãe sofrer do padrasto ocorreu quando ela tinha 9 anos. Adailton teria acertado a cabeça da mulher com uma marreta. Xingamentos, empurrões e brigas sempre foram frequentes ao longo dos quase 18 anos que o casal viveu junto.

Adailton Freixeira da Silva chegando à Deam, na Capital. (Foto: Marcos Maluf)
Adailton Freixeira da Silva chegando à Deam, na Capital. (Foto: Marcos Maluf)

Há três anos, Adailton expulsou Érika de casa achando que ela estava grávida e, desde então, mãe e filha se viam às escondidas ou em algumas das raras vezes em que o autor autorizava. “Numa dessas vezes em que ele deixou eu ir lá, notei que ela estava estranha, vivia de cabeça baixa e não conversava. Então, eu disse que se ela não falasse comigo, eu iria embora. Foi então que ela pediu para eu não a deixar sozinha, se não ele ia matar ela”, conta.

Franciele era refém do marido e do medo que paralisa, assim como muitas vítimas de violência doméstica. Conforme as testemunhas de acusação, quando questionada sobre as agressões que sofria, Franciele dizia que “não queria denunciar ninguém” e que “queria apenas viver em paz”.

Dias antes de ser presa e brutalmente assassinada pelo próprio marido, a família teria mandado a Polícia Militar ir à residência do casal, mas Franciele teria dito que “estava tudo bem”. No mesmo dia, uma das irmãs da vítima, Gracieli Guimarães de Alcântara, também foi até o local e conseguiu levar a irmã para casa depois de muita insistência. Só então Franciele conseguiu quebrar o silêncio. Com parte do cabelo arrancado pelo próprio marido, roxos por todo corpo e ferimentos graves na cabeça, perna e barriga, Franciele descreveu situações que mais parecem cenas de terror.

“Ela contou que ele enfiava a faca nas partes íntimas dela e girava. Beliscava as partes íntimas até sair couro, passava a faca no olho. Ela reclamava muito de dor nas partes intimas. Coloquei ela para tomar banho, porque acho que até isso ele não deixava, porque ela estava numa situação muito desagradável", contou Gracieli durante o depoimento.

Francielli abraçado com o seu assassino. (Foto: Direto das Ruas)
Francielli abraçado com o seu assassino. (Foto: Direto das Ruas)

Francielli teria ficado apenas 3 dias na casa da irmã, período em que pode rever a mãe e outros familiares que estava proibida de ver pelo marido. "Ela não podia sair. Eu a chamava para almoçar comigo quando ele estava trabalhando, mas ela dizia que ele havia colocado gente para vigiar ela", contou a mãe da vítima, Ilda Guimarães Pereira.

Em depoimento, Ilda relembrou que um dos espancamentos sofridos pela filha ocorreu quando ela descobriu que o marido havia engravidado outra mulher. Francielli teria pedido para que as irmãs não falassem sobre as agressões para a mãe. A paz da vítima chegou ao fim após a ligação do filho, que continuava morando com o agressor.

O adolescente teria chamado a mãe para um churrasco na casa de sua sogra e, desde então, Francielli não foi mais vista. “Até agora eu queria saber o porquê ele fez isso. Qual o motivo", disse Ilda a respeito do neto. Francielli passou a ser feita refém depois de ter saído da casa da irmã a convite do filho.

As irmãs ainda teriam ido até a residência do casal na Rua Cachoeira do Campo, mas teriam sido despistadas pelo adolescente, que chegou a dizer que a mãe havia ido para uma chácara com o marido. A suspeita da família é de que o rapaz tenha acobertado o sequestro da própria mãe.

Na madrugada em que Francielli foi encontrada morta, o garoto disse aos socorristas do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) que a mãe havia morrido de mal súbito. Horas antes, Adailton fugiu do local depois de avisar o filho que achava que a mãe dele estava morta.

Ele também foi ouvido hoje, mas por ser adolescente, detalhes do seu depoimento não podem ser divulgados. Mãe e filhas só voltaram a ter notícia de Francielli quando ela já estava morta. A sogra do adolescente teria ligado para Érika dizendo que Francielli havia tomado remédios e falecido. O suicídio, entretanto, foi desmentido pela polícia e pelo IMOL (Instituto Médico de Odontologia Legal), que apontou as inúmeras lesões encontradas no corpo da vítima.

Segundo a perícia médica, as nádegas de Francielli não tinham pele devido às queimaduras dos choques que ela recebia do marido. A Polícia Civil em Campo Grande, apurou que Adailton manteve a mulher em cárcere e sob tortura durante 27 dias. Durante esse período, Francielli também foi torturada com pancadas na cabeça, teve perfurações pelo corpo e os dentes quebrados, além do cabelo cortado pelo marido. Adailton só foi preso cinco dias após o crime em Cuiabá, no Mato Grosso.

No próximo dia 9 de maio, é ele quem estará no banco dos réus, na Capital.

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