Morador da fronteira ignora violência local, mas fuzil em favela assusta
Para sul-mato-grossenses e paraguaios da Linha Internacional, cidades são pacatas e violência só atinge quem é do submundo
No dia seguinte à decisão do presidente Michel Temer de decretar intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, moradores da fronteira do Brasil com o Paraguai, especialmente de Ponta Porã, comemoraram a iminente presença de tropas do Exército nas favelas cariocas.
A imagem de traficantes com fuzis nas costas andando entre os barracos nos morros impressiona, mesmo a 1.600 km de distância, ao ponto de muitos defenderem o direito do Exército atirar para matar qualquer um com arma em punho.
Como se a fronteira também não vivesse a sua guerra particular, em que facções criminosas desafiam os governos brasileiro e paraguaio em uma disputa sangrenta pelo controle do tráfico de drogas e de armas e muitos andam com fuzis no banco do carro.
Clientes e vizinhos – Só que a guerra entre os traficantes e contrabandistas, por mais próxima que esteja, é ignorada pela população local. Semelhante ao que fazem os moradores dos morros cariocas. Lá nos morros os traficantes nasceram na comunidade que atualmente dominam. Aqui na fronteira, os bandidos são vizinhos, parentes distantes, clientes da padaria, do mercado e da oficina.
Nas ruas de cidades que já frequentaram o ranking de mais violentas do país, pessoas ouvidas pelo Campo Grande News apontam paz e tranquilidade para viver nesses locais e acham que só morre quem se mete com o submundo do crime.
Na segunda-feira, a reportagem esteve em Amambai, Coronel Sapucaia e Sete Quedas, cidades que ficam bem ao lado da fronteira mais insegura do país e de onde governos brasileiros e paraguaio se mantêm distantes.
Base do PCC – Coronel Sapucaia, de 14 mil habitantes, localizada a 400 km de Campo Grande, já foi a primeira (em 2008) e a terceira (em 2010) no ranking de homicídios no Brasil. É irmã da paraguaia Capitán Bado. Apenas uma rua separa as duas cidades e os moradores circulam livremente de um lado para o outro, assim como acontece em toda a fronteira ente os dois países.
Segundo a polícia paraguaia, assim como Pedro Juan Caballero, Capitán Bado é ponto estratégico para o PCC (Primeiro Comando da Capital). Bandidos procurados no Brasil moram nessa cidade, de onde controlam o envio de drogas e armas para cidades brasileiras.
Após a prisão do narcotraficante Fernandinho Beira-Mar, no início dos anos 2000, o PCC se fortaleceu na cidade. As principais roças de maconha do Departamento de Amambay ficam na região de Capitán Bado, por isso o interesse das quadrilhas pela cidade.
Mas nas ruas, os moradores não têm essa avaliação. “Aqui é um bom local para viver, a cidade é tranquila, quase não tem roubo. Só quem se mete com coisa errada que corre mais risco”, disse um vendedor ambulante que passa o dia entre uma cidade e outra.
“Muita gente mexe [com o tráfico de maconha], mas essas pessoas não se envolvem muito com os demais moradores. Ficam na deles”, afirmou um pequeno comerciante que tem estabelecimento na Avenida Internacional, de frente para o território paraguaio.
Em julho do ano passado, bandidos do PCC, supostamente refugiados em Capitán Bado, explodiram um carro-forte na MS-156, entre Amambai e Caarapó, a 50 km da Linha Internacional. Os criminosos nunca foram descobertos.
Sete Quedas – Com 11 mil habitantes e localizada a 471 km da Capital, Sete Quedas é outro local tranquilo para viver, segundo os moradores. Em 2009, a cidade apareceu no ranking das cem cidades com maiores taxas de homicídio. Em 2016, foi a 303ª colocada em homicídios entre todas as cidades brasileiras com mais de dez mil habitantes.
Policiais que atuam na fronteira afirmam que Sete Quedas está entre as principais rotas do contrabando de cigarro fabricado no Paraguai e enviado para as grandes cidades brasileiras.
Vizinha do vilarejo paraguaio Pindoty Porã, Sete Quedas é outra cidade sul-mato-grossense onde a fronteira só existe no mapa. Moradores das duas localidades cruzam a Linha Internacional livremente, para trabalhar, passear e visitar parentes.
“Aqui todo mundo é vizinho, amigo, é um local calmo. Se existe crime organizado aqui eu nunca vi”, afirma uma moradora, que há 15 anos vive na cidade.