Um mês depois da morte de Goldoni, fronteira vive ‘cultura do medo’
Polícia ainda não tem pista de pistoleiros e de mandantes do assassinato de ex-deputado; delegado lamenta banalização da morte na região e diz que até o FBI teria “dificuldades extremas”
Nesta quinta-feira (15) faz um mês que o ex-deputado federal e ex-prefeito Oscar Goldoni, 66, foi morto a tiros em Ponta Porã, a 323 km de Campo Grande. Figura política conhecida na região de fronteira com o Paraguai, Goldoni também era empresário e pecuarista. Foi assassinado com uma rajada de fuzil automático calibre 5.56 quando saía do escritório do Detran, por dois homens que estavam em uma caminhonete escura. Armado, ele tentou reagir, chegou a atirar com sua pistola, mas levou a pior.
Ao contrário da maioria dos crimes de homicídio que ocorrem quase todos os dias na fronteira do Brasil com o Paraguai, a morte de Goldoni chamou a atenção das autoridades políticas e as investigações ganharam reforço de uma equipe da Garras (Delegacia Especializada na Repressão de Roubo a Banco, Assalto e Sequestro), grupo de elite da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul.
Trinta dias após o crime, no entanto, a polícia não tem nenhuma pista dos pistoleiros nem dos mandantes do assassinato. Várias pessoas foram ouvidas, inclusive dois empresários da cidade, ex-sócios e desafetos atuais de Goldoni, mas o crime continua um mistério, assim como todos os outros que ocorreram antes e depois da morte do ex-prefeito.
O delegado titular da 1ª Delegacia de Polícia de Ponta Porã, Patrick Linares da Costa, que comanda as investigações, disse que vai pedir prorrogação do inquérito sobre o assassinato e admite dificuldade em chegar aos matadores.
“Cultura do medo” – Segundo o delegado, as execuções de pessoas se tornaram tão frequentes na linha entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero que já são vistas como fatos comuns pela população. Para o policial, impera na região a “cultura do medo”.
“Temos ainda várias linhas de investigação em aberto. Estão sendo ouvidas detalhadamente as pessoas próximas à vítima e possíveis testemunhas ou suspeitos. Foi traçada a possível rota dos executores e as imagens estão sendo analisadas. Será solicitado prazo para a continuidade das investigações, tendo em vista a necessidade de apuração mais profunda”, afirmou Patrick da Costa ao Campo Grande News.
O delegado diz não se recordar de quantas pessoas já foram ouvidas, mas afirma que o maior número é de testemunhas que só aceitam falar “em off”, ou seja, sem que suas declarações sejam citadas formalmente no inquérito policial.
“A maioria das pessoas só aceita falar em off. É a cultura do medo. É um crime complexo, que pode envolver agentes dos dois lados da fronteira. Isso também dificulta os trabalhos”, afirmou o delegado.
Nem o FBI – Patrick da Costa afirma que brechas na legislação brasileira e a facilidade que os criminosos encontram para fugirem da polícia na fronteira tornam quase impossível elucidar crimes de pistolagem como o que vitimou Oscar Goldoni.
“É comum os criminosos que atuam no Brasil usarem telefone paraguaio, por exemplo. Assim, trabalhando com a legislação brasileira, até o FBI teria dificuldades extremas”, afirmou o delegado, se referindo ao Birô Federal de Investigação dos Estados Unidos, cuja fama é conhecida em todo o mundo, principalmente pelos filmes.
Faz parte da rotina – Após a morte de Goldoni, várias outras pessoas foram executadas tanto em Ponta Porã quanto em Pedro Juan Caballero. Os crimes mais recentes ocorreram no fim de semana, quando Eduardo Américo Fernandes, 42, foi executado a tiros de pistola ao deixar a mulher em casa, e ontem, quando o paraguaio Antonio Jesus Espinosa, 18, foi executado em frente ao pesqueiro onde trabalhava como garçom.
“Só o assassinato do político chamou a atenção da mídia e do governo, mas aqui sempre matam um. A população trata com naturalidade”, afirmou o delegado Patrick da Costa.