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Política

Esquema de fraude "desmedido" cooptou servidores e até estagiário do MP

Terceira fase da Operação Tromper mirou tríade que comandava fraude nas licitações em Sidrolândia

Por Silvia Frias | 05/04/2024 18:06

“Extrema audácia”, “alta periculosidade”, agindo “de forma espantosa e desmedida”, com “gana e voracidade”, demonstrando “atuação predatória e ilegal”.

São nestes termos que o Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção) classifica o esquema de corrupção montado a partir da Secretaria Municipal de Finanças de Sidrolândia, e que estendeu seus tentáculos para outras secretarias e fundações de forma generalizada e sistemática, segundo investigação.

Na Operação Tromper, o Gecoc apurou que o esquema era comandado pelo então titular da pasta, Cláudio Jordão de Almeida Serra, o "Claudinho Serra" (PSDB), atual vereador em Campo Grande, e que contava com apoio de outros secretários, servidores públicos, assessores, empresários e até um estagiário do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul).

Pedido de ajuda foi encaminhado ao "guri que trabalha no MP" (Foto/Reprodução)
Pedido de ajuda foi encaminhado ao "guri que trabalha no MP" (Foto/Reprodução)

Antes de chegar ao grupo de Claudinho Serra, a 3ª promotoria de Justiça já havia identificado a existência de esquema de corrupção dentro da Prefeitura de Sidrolândia, em funcionamento desde 2017. A partir dessa apuração, foi deflagrada a 1ª fase da Operação Tromper, em 2023.

A análise dos aparelhos celulares levou a “outro núcleo dentro da organização criminosa”, esta comandada por Claudinho Serra. A apuração aponta para crimes de fraude em procedimento licitatório, falsidade ideológica, associação criminosa, sonegação fiscal e peculato.

No PCI (Procedimento Investigatório Criminal), com mais 1,4 mil páginas, entre outros documentos, as interceptações telefônicas que evidenciam como agia o grupo. De acordo com o Gecoc, Claudinho Serra foi nomeado para exercer o cargo de secretário Municipal de Fazenda, Tributação e Gestão Estratégica, em Sidrolândia, no dia 2 de dezembro de 2021.

Estagiário envia parte do inquérito para envolvido em esquema (Foto/Reprodução)
Estagiário envia parte do inquérito para envolvido em esquema (Foto/Reprodução)

Oitenta dias depois da nomeação, as empresas investigadas, mesmo não tendo vínculo anterior com a prefeitura, já conquistaram as primeiras licitações, conduzidas na modalidade “convite”. E menos de cinco meses, já eram detentoras de contratos que, juntos, chegaram a R$ 12 milhões.

A partir da função, “atuou decisivamente na organização, trazendo para si a função de gerir, junto à administração pública, o grupo criminoso que tinha Frescura como líder empresarial”.

Estagiário fala que não tem como mandar tudo por causa do sigilo (Foto/Reprodução)
Estagiário fala que não tem como mandar tudo por causa do sigilo (Foto/Reprodução)

Frescura é o apelido de Ueverton da Silva Macedo que, juntamente com Ricardo José Rocamora Alves e o secretário, formava a tríade que figura em todas as etapas do esquema fraudulento. Também consta o nome de Tiago Basso, então chefe do setor de Compras e Licitações da prefeitura. A partir deles, os outros integrantes do grupo criminoso eram cooptados, segundo apurou o MP.

Voracidade – Conforme relatório do Gecoc, foram identificados desvio de verbas a partir de licitações fraudulentas nas secretarias municipal de Assistência Social e Cidadania, Educação e Saúde, além da Fundação Indígena.

Na Secretaria Municipal de Educação, consta a participação de Rafael Soares Rodrigues, servidor público que ocupava o cargo de Secretário Especial, “pessoa extremamente ligada” a Claudinho Serra. O Gecoc apurou que Ricardo Rocamora emitiu nota fraudulenta, no valor de R$ 12.312,50 para pagar propina a Tiago Basso e Rafael Rodrigues.

Na Secretaria Municipal de Saúde, consta que Frescura enviou mensagens para Ricardo Rocamora para que mande o lançamento de R$ 6 mil, sendo que R$ 3 mil estariam vinculados à pasta, “a título de propina, ao então secretário Municipal de Saúde, Luiz Carlos Alves de Lima, vulgo Pitó”.

A propina também chegou na Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania, em que consta um pagamento de R$ 2 mil, em espécie para Paulo Vitor Famea, então secretário-adjunto. As conversas indicam que ele recebeu o dinheiro por meio de Milton Matheus Paiva, proprietário da empresa 3M, também integrante do esquema, sob orientação de Rocamora, para não deixar qualquer registro.

O Gecoc identificou, ainda, desvio de recursos e pagamento de propinas proveniente de recursos que deveriam ser usados na Fundação Indígena, com a participação “necessária e efetiva de Josimar Gabriel Clementino”, indígena responsável pela entidade. A execução do esquema utilizou licitações em andamento para compra de materiais de expediente e construção, em convênio firmado entre a Prefeitura de Sidrolândia e SH Informática.

Abastecimento legal "furou" esquema fraudulento do grupo (Foto/Reprodução)
Abastecimento legal "furou" esquema fraudulento do grupo (Foto/Reprodução)

Mensagem de áudio encontrada durante a investigação indicam que Milton Matheus figurou como responsável por gerir os recursos via fundação. O empresário demonstra preocupação em usar o sistema de desvio via SH para atender as necessidades de Claudinho Serra, já que a “voracidade” do secretário poderia inviabilizar ou prejudicar o esquema.

Além do desvio de recursos, o esquema também atendia às necessidades de Claudinho Serra. No dia 10 de maio de 2023, o assessor dele, Carmo Name Junior, enviou mensagem para Tiago Basso para que ele agilizasse a manutenção do ar-condicionado do então secretário. O serviço seria feito por equipe da empresa de Rocamora que atende a prefeitura, por meio de contrato público.

Combustível também atendia aos envolvidos, que abasteciam em posto conveniado. Um funcionário ficava com cartão corporativo e abastecia os veículos conforme lista fraudulenta enviada por Tiago Basso. No esquema, chegavam a ser "furados" por abastecimento legal que entrava no sistema de controle do posto. "Alguém abasteceu, kkkk".

Carmo Name, aliás, é figura repetida nas páginas da investigação. Ele seria o verdadeiro dono da empresa Maxilaine Dias de Oliveira Ltda, a Master Blocos, suspeita de superfaturamento. Em 20 de dezembro de 2022, mensagens trocadas entre os investigados indicam pagamento de R$ 15 mil em propina a Tiago Basso.

Áudia indicaria que Ana Cláudia direciona licitação para beneficiar Rocamora (Foto/Reprodução)
Áudia indicaria que Ana Cláudia direciona licitação para beneficiar Rocamora (Foto/Reprodução)

Apoio – Além dos empresários e chefias das secretarias, outros servidores figuram no esquema como Ana Cláudia Alves Flores e Roberta de Souza, que facilitavam a fraude nas licitações em que as empresas integrantes do grupo criminoso participavam. O que a investigação apurou de Ana Cláudia foi tratado em outra reportagem, que fala da atuação do "escritório da fraude".

A servidora pública Roberta de Souza ocupava o cargo comissionado de chefe de setor, exercendo função na secretaria Municipal de Fazenda. É filha de Maria do Carmo de Souza, que figura como dona da Do Carmo Comércio Varejista e Serviços de Manutenção, integrante do esquema, mas que seria laranja de Ana Cláudia e Ricardo Rocamora.

A Operação Tromper também identificou a participação de dois vereadores: Izaquel de Souza Diniz, o “Gabriel Auto Car” (Patriota) e Otacir Pereira Figueiredo, o “Gringo” (PT).

Análise dos dados extraídos do celular de Tiago Basso indicam a existência de repasses para Gabriel Autocar, que usava os cartões da cunhada para receber as propinas. Em áudio, agradeceu “Ta aí, irmãozinho, o cartão da Caixa, agora se Deus quiser, vai dar tudo certo, tá bom, agiliza pra nóis aí fazendo o grande favor irmãozão”.

Citado como um dos beneficiados do esquema de corrupção, “Gabriel Autocar” informou que os valores repassados a conta de sua cunhada são referentes ao pagamento de aluguéis de um imóvel usado pela prefeitura. “O processo que está sendo investigado que cita meu nome é bem pequenininho, não tem nada de propina não. É um aluguel que eu fui lá cobrar na prefeitura porque é de uma cunhada minha, que é de um salão que é alugado. Não é propina não”, disse o parlamentar à reportagem.

Diesel é compartilhado conforme determinação de Frescura: "são tudo nosso" (Foto/Reprodução)
Diesel é compartilhado conforme determinação de Frescura: "são tudo nosso" (Foto/Reprodução)

Mensagens trocadas entre Milton Matheus e Ricardo Rocamora, em junho de 2022, e entre Frescura e Rocamora, em dezembro do mesmo ano, indicam que Gringo também figurava no esquema. No dia 14 de junho daquele ano, Milton informa a Rocamora o pagamento de R$ 5 mil.

Otacir Pereira, atual presidente da Câmara Municipal de Sidrolândia, informou que não foi alvo de busca e apreensão, reforçando que desconhece o motivo de seu nome ter sido citado e garante que não recebeu nenhum valor dos envolvidos. "Eu também queria saber. O relatório trata de indícios de que eu teria recebido, mas de qualquer forma se meu nome foi citado estarei sempre à disposição da justiça pra prestar quaisquer esclarecimentos".

Frescura, preso, é levado da delegacia de Sidrolândia, durante operação (Foto: Marcos Maluf)
Frescura, preso, é levado da delegacia de Sidrolândia, durante operação (Foto: Marcos Maluf)

O estagiário – No dia 26 de janeiro deste ano, Rocamora recebeu ofício do MPMS, que pediu a relação de funcionários que prestam serviço de limpeza e manutenção do ar-condicionado, especialmente, no ano de 2019. Em seguida, ele pede ajuda a Milton Matheus para consultar o teor do inquérito civil.

Milton o orienta a entrar em contato com Frescura, para que consiga o processo na íntegra com Yuri Moraes Caetano. Segundo a investigação, era estagiário jurídico de graduação do MPMS, exercendo a função na 2ª promotoria de Justiça de Sidrolândia.

No dia 31 de janeiro de 2023, Rocamora envia mensagem para Yuri Morais, questionando sobre a consulta ao inquérito. O estagiário diz que não é possível imprimir ou enviar a peça em virtude do sigilo atribuído à investigação. “Não tem como imprimir esse”, responde. A frase, segundo o Gecoc, indica que os favores prestados eram corriqueiros.

Em contato com as defesas no dia em que a operação foi desencadeada, a informação repassada é que iriam acessar os autos para entrar com habeas corpus ou que não havia indícios suficientes para manutenção da prisão.

Mandados – A 3ª fase da Operação Tromper foi desencadeada no dia 3 de maio, em Sidrolândia e Campo Grande. Foram expedidos 8 mandados de prisão e 28 de busca e apreensão.

Os pedidos de prisão foram contra Cláudio Jordão de Almeida Serra Filho, Carmo Name Júnior, Ueverton da Silva Macedo, Ricardo José Rocamora Alves, Milton Matheus Paiva Matos, Ana Cláudia Alves Flores, Marcus Vinícius Rossentini de Andrade Costa, Thiago Rodrigues Alves.

Os de busca e apreensão constam Cláudio Jordão de Almeida Serra Filho, Carmo Name Júnior, Ueverton da Silva Macedo, Ricardo José Rocamora Alves, Milton Matheus Paiva Matos, Ana Cláudia Alves Flores, Marcus Vinícius Rossentini de Andrade Costa, Thiago Rodrigues Alves, Luiz Gustavo Justiniano Marcondes; 10 Jacqueline Mendonça Leiria, Assessoria e Consultoria e Serviços Ltda; 12) Rafael Soares Rodrigues, Paulo Vítor Famea, Heberton Mendonça da Silva, Roger William, Thompson Teixeira de Andrade, Roberta de Souza, Valdemir Santos Monção, Cleiton Nonato Correia, GC Obras de Pavimentação Asfáltica Ltda, Edmilson Rosa, Ar Pavimentação e Sinalização, Fernanda Regina Saltareli, CGS Construtora e Serviços; Izaquel de Souza Diniz, Gabriel Auto Car, Yuri Morais Caetano e Maxilaine Dias de Oliveira.

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#Colaborou Jhefferson Gamarra.

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