Ameaça de massacres é o novo trote em escolas
"A gente fica inseguro em mandar os filhos pra escola, porque pode ser brincadeira, mas vai saber?", diz mãe
Os pais preocupados e os filhos com medo de irem à escola. Ameaças de massacres estão cada vez mais frequentes, mas há apenas a intenção, nunca se concretizando, para alívio de todos. Ao que parece, tudo não passa de brincadeira, mas também é sintoma de latente de problemas que precisam ser resolvidos.
Para a psicóloga educacional, Cristiane Valdez Albuquerque, toda ameaça deve ser encarada como tendo 50% de chance de se concretizar e 50% de não ser consumada. Coordenadora de Psicologia e Assistência Educacional da Semed (Secretaria Municipal de Educação), ela fala que “não posso descartar, porque pode acontecer, mas por que esse adolescente está tentando chamar atenção? O que ele está tentando comunicar?”, questiona.
Somente neste mês de maio, em duas situações, o Campo Grande News reportou casos em escolas distintas: uma estadual, no dia 11 e outra particular, hoje. Depois disso, pais encaminharam mensagens de mais casos em escolas municipais, o que mostra que há preocupação de que as mensagens encontradas em carteiras ou mesmo nas portas do banheiro se tornem reais.
Uma das mães é a recepcionista de hotel, Ana Paula Bozzonni de Oliveira, de 36 anos. O filho dela é pequeno e chegou em casa ontem desesperado, porque ouviu sobre ameaça de massacre na Escola Municipal Eduardo Olímpio Machado, no Jardim Ouro Verde, programada para 25 de maio. A mensagem estava escrita em porta do banheiro masculino.
“A gente fica com medo, porque eu já assisti até filme sobre isso ter acontecido fora do Brasil. A gente fica inseguro de mandar os filhos pra escola, porque pode ser uma brincadeira, mas vai saber?”, analisa, lembrando que falou com a direção da escola, que informou que os encaminhamentos necessários já estavam sendo tomados.
De outra escola municipal, desta vez, no Bairro Vila Planalto, o pai Diego Mazuko, de 40 anos, programador, conta que recebeu mensagem de pais de alunos que estudam na Padre José de Anchieta, onde o filho dele também estuda, dizendo que massacre ocorreria hoje. “Eu não o levei pra escola hoje, está em casa”, disse.
Segundo ele, a direção da escola recolheu a carteira onde estava escrito a ameaça de massacre e conta que ouviu que a Polícia Militar estava lá nesta tarde acompanhando a suposta ocorrência. “Meu filho, como tem quatro anos, sai mais cedo e não tenho visto PM por lá, mas disseram que ficam alguns policiais de olho por lá, sim”, comentou.
Outro caso que não veio à tona e também não se concretizou foi na Escola Estadual Olinda Conceição Teixeira Bacha, no Bairro Buriti. Pais ficaram em polvorosa, mas a ameaça marcada para 4 de maio não aconteceu. Mãe que preferiu não ter o nome divulgado disse que o policiamento dentro da unidade escolar aumentou depois da mensagem que foi escrita na porta do banheiro.
Para a psicóloga da Semed, a fase da pré e da adolescência é época de “reprodução de comportamentos”, por isso, se vê um “efeito cascata” nessas ameaças. Somente na rede municipal, foram seis este ano. “O adolescente é impulsivo. Faz primeiro pra depois pensar. E ele quer afirmação, aceitação nos grupos e acaba “indo na onda” e reproduzindo comportamentos”, explica.
Pandemia – Mas há que se analisar também o efeito do isolamento social e das aulas remotas nesse contexto. Cristiane Valdez avalia que os alunos voltaram desconectados e com dificuldade de interação social. “Voltaram fragilizados, com dificuldade de socialização”, disse.
Na escola, eu não meço meu comportamento diante de um conflito, eu bato, eu escrevo um bilhete ameaçando o colega ou na porta do banheiro. Os professores estão tendo que resgatar as regras de convivência, porque os alunos não estão se dando conta que o outro importa”, afirma.
Para a doutora em Educação pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Ângela Maria Costa, é isso mesmo que está ocorrendo.
“Isso tem sido recorrente, não só em Campo Grande, mas no Brasil, no mundo e é uma consequência da pandemia que deixou os jovens enclausurados em casa, sofrendo, muitas vezes, violência psicológica e física, passando horas assistindo ou jogando sozinhos e tendo que enfrentar todos os problemas dos pais dentro de casa, as desavenças e até a crise financeira”, enumera.
Ela defende que as escolas não poderiam ter fechado e que agora, diante das consequências, é preciso ampliar o debate sobre a situação e a escola se recolocar como essencial na educação.
“Se a família não educa, a escola também não educa e ninguém assume essa responsabilidade. As famílias estão despedaçadas há tempos, já sabemos disso, mas a escola precisa se importar com o tipo de pessoas que eles estão formando”, afirma.
Ações – Na rede municipal, desde 2018, há atuação do Egeprev (Equipe de Gerenciamento de Conflitos contra a Violência e Evasão Escolar), cuja coordenadora é Mônica Silvano. “Os estudantes voltaram com questões disciplinares bem diferentes de antes da pandemia. São questões mais conflituosas”, sustenta.
Nos seis casos identificados este ano, Mônica diz que o procedimento foi o mesmo: encaminhar a Guarda Municipal para realizar a segurança nas escolas com dois objetivos, sendo de tranquilizar a comunidade escolar e também de mostrar aos alunos que a atitude de indisciplina não vai passar despercebida.
“A Guarda monitora a entrada, a saída, dentro da escola, no recreio e se há suspeita de quem fez a ameaça, fala-se direto com o aluno e com a família. A situação é monitorada de perto de forma a tranquilizar as famílias e fazer um trabalho coletivo, de sala em sala, mostrando que a escola está atenta”, diz.
Em um dos casos, por exemplo, após essa atuação coletiva, os próprios alunos confessaram que haviam escrito a mensagem de ameaça, porque não queriam ter aula. “Aí, nós convocamos as famílias, conversamos e vamos acompanhando prestando atenção em todos os indícios”, enfatiza Mônica.