Conversas entre Trutis e assessor reforçam tese de "laranjas" na compra de armas
Mensagens transcritas pela PF no inquérito que apurou atentado "fake" mostram conversas sobre armas e munições
Conversas interceptadas pela PF (Polícia Federal) reforçam indícios de que o deputado federal Loester Carlos (PSL), conhecido como “Tio Trutis”, usava o nome do empresário, assessor e amigo de infância, Ciro Nogueira Fidelis, e o primeiro-secretário do PSL em Campo Grande, Jovani Batista da Silva, para compra de armas e munições.
Procurado pela reportagem, o deputado federal negou o uso de laranjas e disse que os termos usados na conversa, como “nossa arma” e “nosso fuzil”, fazem parte do jargão do mundo armamentista.
Mensagens de texto e áudio trocadas entre Fidelis e Trutis foram relatadas no inquérito aberto pela PF para apurar o alegado atentado que o parlamentar disse ter sofrido, em fevereiro de 2020, quando estava na estrada, a caminho de Sidrolândia.
Os policias apuraram, no entanto, que a tentativa de homicídio era, segundo inquérito, uma “tragicomédia com dois atores”: o deputado e o motorista, Ciro Fidelis. Para a PF, o parlamentar cometeu quatro crimes: falsa comunicação de crime, porte ilegal de arma, disparo de arma de fogo e dano ao patrimônio privado, neste caso, o carro, que era alugado.
O inquérito foi encaminhado ao STF (Supremo Tribunal Federal) que avaliará se o deputado, como foro privilegiado, será indiciado ou não.
Armas – As mensagens anexadas ao inquérito foram extraídas de dois celulares de Ciro Fidelis, e trocadas entre os dois no período de março a junho de 2020. Os dois conversam, em várias ocasiões, a compra de armamento e munição.
No dia 19 de março, Fidelis diz que recebeu a guia de trânsito, mas que não tem mais o contato da moça da Taurus e pede que o deputado mande. Em seguida, o parlamentar pergunta “E nosso fuzil?”, complementando: “preciso de pistola”.
O amigo comenta que a ex-companheira de Loester vai “melar todo meio de campo”, referindo-se ao fato dela ter registrado ocorrência por violência doméstica antes dele ser eleito como deputado federal. Trutis concorda e finaliza “vou comprar em nome do Beto”, referindo-se a irmão, Alberto Carlos Gomes de Souza, segundo apurou a PF.
Em outra parte do relatório, foram transcritas mensagem de 30 de abril a 12 de maio de 2020. Ciro Fidelis envia áudio para o parlamentar. “(...) você tinha me perguntado quantas armas a gente podia comprar. Por ano, no meu CR [certificado de registro], se não mudar a lei, é 4 por ano. Tá?”. O deputado responde. “Vamos comprar 1 CTT 2 pistola e 1 revólver”. Cinco dias depois, Loester cobra do amigo. “Cara, vamos mexer nossas armas, cobrar quem tem que cobrar”.
Em outro trecho, o deputado manda mensagem querendo saber como comprar armas pela Ibracar (Instituto Brasileira de Cultura Armamentista), organização criada pelo Movimento Conservador. Ainda no dia 12 de maio, falam da documentação de fuzil T4 em nome de Jovani Batista da Silva.
Em outro trecho, Fidelis fala que seria importante ser cadastrado como instrutor, “ou algo do tipo para a gente poder comprar munição mais barato”. Loester avisa a Ciro que recebeu aviso para “gente poder comprar uma arma”.
Ciro alerta que comprou arma há 3 meses e não pode comprar duas armas de uma vez só, e que a legislação determina período de oito meses a um ano. Loeste reclama. “Se tivesse no meu nome até que dava pra nós dar (sic) embaçada! Mas vai ser no seu! F***!”
Em outro momento, Ciro Fidelis pergunta ao deputado sobre o CRAF (Certificado de Registro de Arma de Fogo) “da sua arma”. O deputado envia fotografia do fuzil T4 que, apesar de ser de propriedade de Jovani Batista, estava com o parlamentar. O intuito era mostrar o número de série da arma. Durante a investigação, Jovani disse que emprestou a arma ao deputado após o suposto atentado.
Em agosto de 2020, os dois falam da compra de armas em nome de Ciro e ele pergunta a Trutis se “as armas já saíram” e se isso ocorreu, deveria pegar na transportadora. O parlamentar responde “Do q”. O outro diz: “Suas armas”.
Em outra conversa, Trutis pede o CPF de Ciro para comprar munição em site. Encaminha para o assessor a tabela com valor total de R$ 4.718,56 em munições para calibre 9 mm.
Naquele mesmo mês, outra conversa sobre a chegada de armas. Fidelis avisa o deputado. “Pode ficar tranquilo que quando chegar essas encomendas suas, a primeira coisa que vou fazer é dar uns 5 tiros para cima com cada uma, para estrear elas!”. E complementa “Você não está aqui para estrear! Diz que tem simpatia aí, véio! Quando chega arma e você não estreia, dá tilti!”.
Depois, quando a encomenda chega, o assessor manda foto com as caixas lacradas e nota fiscal. Ele diz que vai deixar na casa da mãe do deputado, mas o outro veta. Ciro finaliza “Pode dar tiro?”.
Dois dias depois, Trutis pede que o assessor entre em site para comprar munição e "pagar no cartão". Depois, convida o parlamentar para almoço e completa. “Você já pega suas armas”.
Clube – O deputado federal disse ao Campo Grande News que as conversas não tem qualquer relação sobre uso de laranjas, mas se trata de conversa coisa comum no “mundo armamentista, futebolístico ou da pescaria”, em que se fala com exageros ou se usa termo de “é tudo nosso”, sendo “coisas de clube de tiros”.