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Capital

Prejuízo, mágoas e sofrimento: bastidores do acordo histórico de demarcação

A paz em Antônio João vai custar R$ 146 milhões, sendo R$ 16 milhõs pagos pelo governo de MS

Por Aline dos Santos | 27/09/2024 11:40
Coletiva de imprensa nesta sexta-feira em Campo Grande. (Foto: Henrique Kawaminami)
Coletiva de imprensa nesta sexta-feira em Campo Grande. (Foto: Henrique Kawaminami)

A coletiva de imprensa com o governador Eduardo Riedel (PSDB) sobre o acordo histórico de R$ 146 milhões para fim do conflito fundiário na área Nhanderu Marangatu, no município de Antônio João, trouxe vozes de pessoas que acompanharam a disputa em seu último ato: uma reunião com duração de sete horas no STF (Supremo Tribunal Federal), realizada na última quarta-feira (25).

Durante a entrevista, nesta sexta-feira (26), no receptivo do governo no Parque Estadual do Prosa, área verde em Campo Grande, o presidente da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), Marcelo Betoni falou em superar mágoas.

Marcelo Betoni é presidente da Federação da Agricultura. (Foto: Henrique Kawaminami)
Marcelo Betoni é presidente da Federação da Agricultura. (Foto: Henrique Kawaminami)

Nenhuma negociação, após praticamente 30 anos de sofrimento para ambos os lados, é fácil. As pessoas têm que estar despidas de sentimentos que vêm de antepassados, de bisavôs, de direitos originários. Nesse contexto todo, fácil não foi. A gente sempre fala que o produtor se sente vítima também da situação, porque não foi ele que criou. Muitos deles estavam fora das suas áreas há muito tempo, sem produção. Então, sempre tem o sentimento, mágoa”, declarou Betoni.

O presidente da Famasul também agradeceu à fazendeira Roseli Ruiz por ter permanecido na terra, enquanto os demais deixaram o local. “Agradecer os anos que esteve lá, porque estando lá, deu essa garantia que nós sentássemos à mesa. Quero enaltecer a decisão dos produtores de abrir mão dos seus sentimentos e também aos indígenas que foram muito cordiais”, disse Betoni.

Prefeito de Antônio João, Agnaldo Marcelo da Silva Oliveira (PSDB), o Marcelo Pé, afirmou que o clima agora é de pacificação, mas após momentos muito tensos.

Marcelo Pé (ao centro) é prefeito de Antônio João. (Foto: Henrique Kawaminami)
Marcelo Pé (ao centro) é prefeito de Antônio João. (Foto: Henrique Kawaminami)

“O gestor municipal fica no meio da discussão. Se pender para o lado do indígena, o produtor fica bravo. Se pender para o lado do produtor, o indígena fica bravo. Das três esferas [de poder], o prefeito é o que mais apanha. Esse acordo veio, sem sombra de dúvidas, como uma luz no fim do túnel”.

Ainda de acordo com o prefeito, a regularização permite que o município leve políticas públicas aos indígenas, cuja maioria vive em Nhanderu Marangatu.

Procuradora-geral do Estado, Ana Carolina Ali Garcia disse que a negociação foi extensa, mas muito pacífica. “O sentimento é que todos estavam ali com a intenção de conciliar, de renunciar em parte àquilo que entendiam como direito absoluto”.

Procuradora-geral do Estado, Ana Carolina Ali Garcia. (Foto: Henrique Kawaminami)
Procuradora-geral do Estado, Ana Carolina Ali Garcia. (Foto: Henrique Kawaminami)

Titular da subsecretaria de Políticas Públicas para Povos Originários, Fernando Souza destacou não ter dúvidas do compromisso do governo de MS com a questão indígena, aceitando participar do acordo e pagar R$ 16 milhões. “Se caso uma das partes não tivesse a intenção de fazer o acordo, voltava a estaca zero”.

Nesta sexta-feira, representante dos indígenas de Antônio João e o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Luiz Henrique Eloy Amado, o Eloy Terena, virão a Campo Grande, mas não a tempo de participar da coletiva no começo da manhã.

Fernando Souza (centro), da subsecretaria de Povos Originários. (Foto: Henrique Kawaminami)
Fernando Souza (centro), da subsecretaria de Povos Originários. (Foto: Henrique Kawaminami)

Questão humanitária – O governador Eduardo Riedel destacou que é preciso levar políticas publicas para os 120 mil indígenas que vivem em Mato Grosso do Sul, com apoio financeiro da União.

“Se ficarmos focados tão somente na questão territorial não vai resolver a questão humanitária em relação as comunidades indígenas. Colocar recursos vultosos dentro das comunidades indígenas. Na nossa ótica de governo, o que vai levar à melhoria da qualidade de vida aos cidadãos indígenas sul-mato-grossense são as ações de políticas públicas. Mais de 40% das doenças em indígenas estão atrelada à qualidade da água”, diz Riedel.

Sobre o acordo, o governador reforçou o ineditismo da composição, com pagamento por benfeitorias e terra nua, mas destacou que a solução é para o caso específico. “A solução definitiva passa pelo Congresso Nacional, mas se abre um caminho”.

“Solução definitiva passa pelo Congresso, mas se abre um caminho”, diz Riedel. (Foto: Henrique Kawaminami)
“Solução definitiva passa pelo Congresso, mas se abre um caminho”, diz Riedel. (Foto: Henrique Kawaminami)

Quanto aos envolvidos, o governador, que já foi presidente da Famasul, cita a convergência de propósitos. “Todos alinhados em relação à busca de solução. Podem questionar: 'ah, o valor é alto, é baixo'. Para os produtores é uma injustiça? Porque isso seja 20%, 30% do valor de mercado. Para os indígenas é uma conquista do ponto de vista de ter seus territórios demarcados, mas fica a falta da política pública presente?”.

Mortes de indígenas - Na fronteira com o Paraguai, o município de Antônio João está no centro de um conflito fundiário que já matou quatro indígenas ao longo de 40 anos.

O caso mais recente é o guarani-kaiowá Neri Ramos da Silva, de 23 anos, que foi morto no dia 18 de setembro, com tiro na cabeça, durante ação da PM (Polícia Militar). As outras vítimas são Marçal de Souza (em 1983), Dorvalino Rocha (2005) e Simeão Fernandes Vilhalva (2015).

Em 2005, a terra foi homologada como indígena pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas os fazendeiros conseguiram suspender a decisão no STF.

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