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Interior

Dia do Índio reacende luta por justiça na guerra pela terra em MS

Maiores vítimas da violência que cresce a cada ano nas áreas de conflito, terenas e guarani-kaiowá sonham com demarcações, mas solução parece distante

Helio de Freitas, de Dourados | 19/04/2017 07:18
Morte de agente de saúde indígena em junho agravou tensão em área de conflito em Caarapó (Foto: Helio de Freitas)
Morte de agente de saúde indígena em junho agravou tensão em área de conflito em Caarapó (Foto: Helio de Freitas)

Ano a ano, a situação dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul continua a mesma. Pobreza e muita dificuldade nas aldeias e miséria extrema e abandono nas centenas de acampamentos daqueles que não desistem de esperar pela demarcação dos tekohas, a terra sagrada, segundo seus costumes.

Este 19 de abril, Dia do Índio, não seria diferente da mesma data do ano passado e de todos os anos anteriores se não fosse um triste detalhe: assim como em outras regiões do país os conflitos por terra aumentaram em Mato Grosso do Sul e mais vítimas fatais surgiram do lado dos índios.

De acordo com números do IBGE, Mato Grosso do Sul tem pelo menos 77 mil índios, a segunda maior população do país, atrás apenas do Amazonas, onde existem 183 mil indígenas.

As áreas de conflito se espalham de Sidrolândia a Coronel Sapucaia, passando por Miranda, Dourados, Antônio João, Aral Moreira, Amambai, Tacuru, chegando a Caarapó, onde está instalado atualmente o mais recente confronto com morte dessa guerra que até agora não tem vencedores.

Em junho do ano passado, um dia após os índios da aldeia Tey Kuê invadirem a fazenda Ivu, pelo menos cem pessoas, entre fazendeiros e funcionários, entraram na área ocupada para despejar os invasores por conta própria. Com retroescavadeiras e armas de fogo, derrubaram e enterraram os barracos, queimaram motos dos índios e dispararam tiros contra a multidão.

O agente de saúde indígena Clodioude de Souza, 26, foi morto a tiros. Outros seis índios foram baleados, mas sobreviveram.

Três policiais militares de Caarapó seguiam para o local do confronto quando foram atacados por um grupo de índios. A viatura foi queimada, assim como um caminhão que passava pelo local carregando uma colheitadeira.

Espancados, os PMs perderam as armas e os coletes. Apenas duas pistolas foram recuperadas no dia seguinte ao conflito. Os índios acusaram os policiais de apoiar os fazendeiros. A PM informou que a equipe foi ao local para garantir a segurança dos bombeiros que socorriam os feridos.

Índios reunidos em Dourados para cobrar demarcações do presidente da Funai (Foto: Helio de Freitas)
Índios reunidos em Dourados para cobrar demarcações do presidente da Funai (Foto: Helio de Freitas)

Atualmente, 11 propriedades estão invadidas pelos índios em Caarapó. Os fazendeiros Nelson Buainain Filho, Dionei Guedin, Eduardo Tomonaga, o "Japonês", Jesus Camacho e Virgílio Mettifogo foram denunciados pelo MPF (Ministério Público Federal) por formação de milícia armada, homicídio qualificado, tentativa de homicídio qualificado, lesão corporal, dano qualificado e constrangimento ilegal. As penas podem chegar a 56 anos de prisão.

A denúncia do MPF ainda não foi analisada pela Justiça Federal, segundo a defesa dos fazendeiros. Eles ficaram três meses presos e foram soltos em novembro, após habeas corpus do ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal).

As fazendas reivindicadas pelos índios em Caarapó fazem parte do território Dourados Amambaipeguá, de 55 mil hectares, cujo estudo de identificação foi publicado pela Funai em maio do ano passado.

Outras áreas de conflito – Caarapó é apenas um dos palcos de conflitos com derramamento de sangue nessa guerra entre índios e fazendeiros pela posse da terra. A situação parece mais calma atualmente, mas a tensão nunca deixou de existir em Antônio João, na fronteira com o Paraguai, onde um índio foi morto em 2015 e várias fazendas continuam invadidas.

A luta pelo território Cerro Marangatu existe há duas décadas e não há previsão de quando vai acabar, assim como ocorre na região de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, onde os terenas reivindicam a demarcação de 17.200 hectares.

Acampamentos indígenas instalados em áreas de conflito em Aral Moreira e Coronel Sapucaia convivem com o medo provocado pelas ameaças de jagunços. Segundo relato dos próprios índios e da Funai, pistoleiros costumam rondar os acampamentos e disparar tiros, para intimidar crianças e adultos.

“Essa é a situação da maioria das comunidades indígenas da região sul de Mato Grosso do Sul atualmente. Convivem com o medo e enfrentam o risco de serem atacadas a qualquer momento apenas por lutarem por seus tekohas”, afirmou um líder dos guarani-kaiowá de Caarapó, que por medo de represália pede para não ser identificado.

Mais populosa reserva do país – Em Dourados, a 233 km de Campo Grande, onde existe a mais populosa reserva do país, com pelo menos 15 mil pessoas em 3.600 hectares, a paz predominava entre os dois lados até março do ano passado, quando moradores das aldeias Bororó e Jaguapiru invadiram cinco pequenos sítios vizinhos da área indígena.

Diferente das outras áreas de conflito do estado, em Dourados os índios reivindicam pequenos pedaços de terra e as invasões atingem agricultores familiares, que sobrevivem da criação de porcos e galinhas e produção de queijo.

No dia 28 de março deste ano, após se reunir com índios em Dourados, o presidente da Funai, Antônio Costa, disse que a prioridade do órgão no governo Michel Temer é resolver o problema das terras reivindicadas pelos índios em Mato Grosso do Sul.

“Estamos dialogando com a comunidade indígena e vamos buscar o diálogo também com proprietários de terras. Nossa proposta é começar uma caminhada para que as comunidades indígenas, especialmente os guarani-kaiowá, não sofram mais com a falta de esperança e de solução de seus problemas”, declarou Antônio Costa ao Campo Grande News.

Crianças índias da reserva de Dourados (Foto: Helio de Freitas)
Crianças índias da reserva de Dourados (Foto: Helio de Freitas)

Números dos conflitos – Conforme o relatório Conflitos no Campo Brasil 2016, organizado pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), divulgado nesta semana, em 2016 foram registrados 1.295 casos de conflitos por terra no Brasil, sendo 61 assassinatos, crescimento de 22% comparado ao número de homicídios do ano anterior.

Foram registradas 74 tentativas de homicídio, 200 ameaças de morte, 571 agressões e 228 prisões. Somam-se aos dados, 172 conflitos pela água e 69 violações trabalhistas, contabilizando 1.536 ocorrências de conflito, segundo a CPT.

Os números apontam recorde de violações no campo, número mais elevado desde quando a CPT iniciou a pesquisa, em 1985.

“São quatro sombras que escurecem o Brasil. A primeira é nosso modelo colonial, que dá origem a violência que enfrentamos hoje. A segunda foi o genocídio indígena, que eram mais de quatro milhões. A escravidão, somada a essas sombras, gerou a discriminação cultural. A quarta sombra, que explica grande parte da violência do campo, é a Lei de Terras do Brasil, que faz com que os pobres sejam entregues ao arbítrio do grande latifúndio”, afirmou Dom Enemésio Angelo Lazzaris, presidente da Comissão Pastoral da Terra.

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