Ministério quer fim de desmatamentos no Pantanal
Nota técnica aponta regras flexíveis como responsáveis por danos ao bioma
Na mesma semana em que promotores do Meio Ambiente cobram do Imasul (Instituto de Meio Ambiente) que revogue licenças, contenha a monocultura e impeça novas iniciativas de desmatamento no Pantanal até que haja um estudo sistematizado, vem à tona nota técnica elaborada por técnicos do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima na qual trazem severas críticas às permissões de desmatamento para a agropecuária no bioma.
O documento foi embasado em estudos de entidades e do próprio poder público mostrando os riscos, que não prejudicariam somente a região, mas apontando que até mesmo Paraguai e Bolívia dependem muito das águas pantaneiras e sofreriam consequências com a perda da biodiversidade. Há ainda menção a duas recomendações do CNZU (Conselho Nacional de Zomas Úmidas), em 2018 e 2021, que não teriam sido levadas em conta pelas autoridades.
A nota aponta que Mato Grosso do Sul adotou como parâmetro para autorizar a retirada de vegetação um estudo financiado pelos próprios ruralistas, feito pelo CEPEA-ESALQ a pedido da Famasul (Federação de Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul), quando dispunha de dois estudos técnicos da Embrapa para basear a elaboração do Decreto Estadual nº 14.273/2015. Essa norma possibilita a utilização de até 60% das áreas para atividades produtivas, quando a Embrapa havia feito uma análise mais detalhada e admitia até 45%, conforme a região pantaneira e suas pecualiaridades.
O estudo assinado por servidores do Ministério faz uma detida análise de regras, mencionando que no Estado vizinho, que detém uma porção menor do Pantanal, a legislação é mais protetiva. Entretanto, há críticas a ambos os estados, apontando que o aumento do desmatamento eleva as emissões nacionais de gases de efeito estufa e prejudica a conservação da biodiversidade.
Os técnicos mencionam dados repassados por entidades, como a SOS Pantanal e associação que congrega promotores da área do meio ambiente, além de estudos oficiais. Entre os temas destacados consideram que a ausência de uma lei federal possibilitou aos estados definirem normas flexíveis.
Um episódio atribuído ao Mato Grosso do Sul foi a autorização para a abertura de valas para drenagem de áreas de soja para a colheita, em março, depois de longo período chuvoso. O decreto saiu em um dia, incluindo cidades da região do Pantanal, como Bonito e Porto Murtinho, e foi retificado no dia seguinte, com a informação de que aquelas áreas todas deveriam ter sido mencionadas como exceção e não a regra.
A nota menciona que as valas “facilitam alterações na cobertura vegetal e drenagem de áreas úmidas, gerando degradação ambiental, alteração do pulso de inundação, erosão e assoreamento de corpos d´água, desmatamento e queimadas da vegetação nativa no Pantanal e de áreas mananciais desse bioma.” O texto segue com a preocupação de que essa alternativa possa ser futuramente utilizada para regiões do bioma.
O texto ainda fala sobre as queimadas no Pantanal, incluindo números dos últimos anos apresentados pela SOS Pantanal. “2020 foram os piores da história do bioma, levando à queima de mais de 26% de seu território. Em 2021, a falta de vegetação em razão das queimadas do ano anterior dá a ilusão de um cenário menos dramático, mas, ainda assim, 12,6% do Pantanal sofreu com queimadas. Já em 2022, o Mato Grosso do Sul chegou a declarar estado de emergência por 180 dias em 14 municípios devido aos incêndios na região.”
A estimativa é que foram atingidos 2,2 milhões de hectares em 2020, com emissão de mais de 140 milhões de toneladas de gases de efeito estufa.
Por último, chega-se à questão do desmatamento. Os técnicos mencionam o uso como para remoção de árvores e espécies invasoras, mas que a tolerância dos órgãos ambientais acaba por possibilitar que situações de desmatamento irregular acabem parecendo mera limpeza de área.
No Pantanal de Mato Grosso do Sul, retirada de árvores e substituição de pastagens acima de mil hectares exigem licenciamento ambiental. Este ano, já foram realizadas duas audiências públicas para analisar pedidos de áreas extensas em propriedades para a ampliação da pecuária.
Há, ainda, um destaque à preocupação com a agricultura em áreas de planície, cujos rios chegam ao Pantanal, podendo sofrer assoreamento e transporte de defensivos agrícolas. O texto menciona que “aproximadamente 18.599 hectares de monocultura estão dentro do bioma Pantanal, divididos entre 675 propriedades rurais.”
O texto chega ao fim apontando que licenças estaduais “não são disponibilizadas no portal do IMASUL. Entretanto, pode-se afirmar que foram mais de 400 mil hectares licenciados no Pantanal do Mato Grosso do Sul desde 2016 baseados no Decreto 14.273/2015, que não tem base ou sustentação legal e científica.”
Em outro trecho aponta que ao “se priorizar os interesses locais, valores a nível nacional e internacional estão sendo perdidos e com o avanço das mudanças do clima o cenário deverá ser ainda mais árduo para se buscar a sustentabilidade ecológica no bioma”, com a recomendação de que deve ser harmonizada a legislação para proteger o Pantanal nos dois estados.
Os técnicos finalizam recomendando ao Ministério que aposte em pesquisas e discussões para definição de uma regulamentação da “exploração ecologicamente sustentável” a curto prazo e, ainda, defendem que seja considerada a hipótese de tirar de cena normas estaduais que possibilitam o aumento do desmatamento.