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A deficiência das coisas

Emerson Damasceno (*) | 29/05/2023 08:30

Nos dias atuais, grassam discursos que recorrem a termos modernos que remetem a gestão – de empresas, do estado (lato sensu), de pessoas – que sejam inclusivas, sustentáveis, socialmente responsáveis e outros adjetivos que buscam adornar o discurso. Discursos que sempre mencionam e dizem se preocupar com estruturas inclusivas para as pessoas com deficiência. Em quase sua totalidade as falas advêm de pessoas sem deficiência que pensam modelos para a sua realidade, visto que a sociedade continua a ser pensada e construída para elas, a despeito de toda evolução legislativa que já alcançamos.

Não há política pública para a inclusão de pessoas com deficiência, por exemplo, sem a sua efetiva participação através das entidades que nos representam, como determina a Constituição brasileira que internalizou ao nível de emenda constitucional, a Convenção Internacional da ONU sobre as Pessoas com Deficiência.

As gestões, no geral, são deficientes. Não as pessoas. Isso gera Cidades, Estados, um País deficiente. Empresas que não escutam e dão lugar de fala e decisão aos seus funcionários, parceiros, consumidores, à comunidade de pessoas com deficiência, são igualmente deficientes. Não as pessoas.

A falha grotesca que há, geralmente, nessa estrutura social que se acha no direito de pensar, propor e executar tudo para as pessoas com deficiência, advém do capacitismo estrutural que há nas sociedades.

O registro, entretanto, se faz necessário: deficientes são as estruturas, espaços, as políticas e seus gestores. Não as pessoas.

Dirigentes, públicos e privados, que se acham modernos e repaginados ao decorar os termos da moda, mas olvidam ao básico da nossa necessária representatividade e participação ativa, são deficientes. Não as pessoas.

As poucas exceções, a confirmar a regra, têm que ser destacadas. Programas como o Projeto Praia Acessível (para citar apenas um ótimo exemplo), fruto de uma parceria entre Prefeitura de Fortaleza e Governo do Ceará, que chega este ano a dez mil atendimentos, precisa ser elogiado.

A regra capacitista a ocorrer em todo o País, entretanto, deve ser igualmente exposta. Muito em breve não irão sobreviver aqui no Brasil as gestões que não se adequaram via D.E.I. (termo em inglês que se refere à diversidade, equidade e inclusão), E.S.G. (também em inglês se refere à governança social e ambiental) e outros parâmetros que impõem cada vez mais a responsabilidade social, ambiental e humana às gestões. Será difícil sobreviver também no capital aberto, cujo humor dos investidores é cada vez mais guiado por valores sociais, humanos e ambientais, ou mesmo se habilitar a receber loas pelo cumprimento do Protocolo 2030 da ONU e de demais organismos internacionais. Será cada vez mais difícil obter a atenção de fundos e linhas bilionários. Isso será implacável se as gestões – lato sensu – também não nos ouvirem e nos derem vez e voz.

Permanecerão cegas, mudas, aleijadas, doidas, surdas, autistas, para exemplificar aqui – com pesar – termos capacitistas e ofensivos que alguns ainda costumam nos dirigir. Elas assim permanecerão. Mas não nós, as pessoas.

 (*) Emerson Damasceno é paratleta e advogado, presidente da Comissão Nacional da Pessoa Autista do Conselho Federal da OAB e da Comissão Estadual da Pessoa com Deficiência da OAB-CE.

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