Júri histórico condena réus por execução de estudante
Preso desde 2019, Jamilzinho volta para a Penitenciária Federal de Mossoró com mais tempo de pena a cumprir
Após cerca de 32 horas ouvindo depoimentos de nove testemunhas, assistindo a cenas perturbadoras e aos debates entre defesa e acusação, júri popular decidiu condenar Jamil Name Filho, 46, a 23 anos e 6 meses de reclusão, pelo crime de homicídio qualificado por motivo torpe e emprego de emboscada e porte ilegal de arma. A sentença deverá ser cumprida inicialmente em regime fechado.
Para a maioria dos cinco homens e duas mulheres que o julgou, “Jamilzinho”, como é conhecido o filho mais velho de Jamil Name, figura lendária na história de Mato Grosso do Sul, foi quem mandou matar o ex-policial militar Paulo Roberto Teixeira Xavier, 52, e acabou sendo o responsável pelo fuzilamento de Matheus Coutinho Xavier, filho do alvo, aos 20 anos, morto por engano.
O juiz Aluízio Pereira dos Santos aplicou pena de 20 anos de prisão para homicídio qualificado e de 3 anos e 6 meses para o de porte ilegal de arma. Jamilzinho foi absolvido da acusação de receptação, em relação ao carro usado na execução.
Os jurados também condenaram o ex-guarda municipal Marcelo Rios, 46, e o policial civil aposentado Vladenilson Daniel Olmedo, 64, apontados como os organizadores da execução. No caso de Olmedo, a condenação também foi por homicídio qualificado, 18 anos, e porte ilegal de arma, 3 anos e 6 meses. A pena foi de 21 anos e 6 meses.
Marcelo Rios foi condenado a 18 anos de prisão por homicídio qualificado, 3 anos e 6 meses pelo porte ilegal de arma e 1 ano e 6 meses pelo crime de receptação, tornando a pena total em 23 anos.
A defesa dos três réus informou ao juiz que irá recorrer da decisão. "A defesa técnica respeita a decisão do egrégio Conselho de Sentença, entretanto, não concorda e vai até a Suprema Corte de Preciso for", disse Eugênio Malavasi.
Somadas as penas, “Jamilzinho” tem 46 anos e 8 meses para cumprir na cadeia. Dono de três outras condenações, ainda em grau de recursos, ele já havia sido sentenciado ao total de 23 anos e 2 meses de prisão pelos crimes de extorsão armada, formação de organização criminosa e porte ilegal de armas.
Esta é a primeira condenação de alvos da Omertà – operação batizada com nome que faz alusão ao pacto de silêncio e fidelidade cobrado pelos chefões da máfia italiana – em um Tribunal do Júri, instituição do Poder Judiciário responsável por julgar crimes dolosos (com intenção) contra a vida.
A força-tarefa, formada principalmente por policiais do Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco, Assalto e Sequestros) e investigadores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crimes Organizado), mirou organização criminosa dedicada a ilícitos e execuções como forma de manter o poder.
O júri – Ao longo dos três exaustivos dias, o conselho de sentença, formado por pessoas comuns, representantes da sociedade sul-mato-grossense, ouviu os depoimentos de cinco testemunhas de acusação e quatro convocadas pelas defesas.
No primeiro dia do júri, foram ouvidas quatro testemunhas da acusação: os delegados Daniella Kades, Tiago Macedo e Carlos Delano e o investigador do Garras Giancarlos de Araújo e Silva.
O pai de Matheus, Paulo Xavier, falou aos jurados na condição de informante – por ter laço afetivo com a vítima - sem ser obrigado a fazer o juramento de “falar a verdade, somente a verdade”, já que o depoimento tende a ser mais emotivo. Ele lembrou de detalhes da noite da morte do filho, que morreu ao sair de casa para buscar os irmãos, função normalmente exercida pelo pai. Chorando muito, foi acompanhado na emoção pela mãe da vítima.
O foco da defesa, em todos os casos, foi tentar desvencilhar a família Name dos crimes investigados pela Omertà, apontado para outros prováveis mandantes do crime, como membros PCC e citando, inclusive, ligação entre o major reformado da PM e o megatraficante Sérgio Roberto de Carvalho, o “Major Carvalho”.
Na terça-feira (18), o delegado João Paulo Sartori foi o primeiro a depor. Em seguida, começam as oitivas das defesas, que dispensaram ao menos duas testemunhas, incluindo Orlando de Oliveira de Araújo, o “Orlando Curicica”, que havia sido chamado para prestar depoimento em favor de Marcelo Rios.
Líder de milícia atuante na zona oeste do Rio de Janeiro, Curicica é detento da Penitenciária Federal de Mossoró (RN), onde estão Rios e Jamilzinho, e seria ouvido por videoconferência. Ele foi condenado, no ano passado, a 25 anos de prisão, apontado como mandante da execução de Carlos Alexandre Pereira Maria, o “Cabeça”, líder comunitário na região de Jacarepaguá.
O advogado Márcio Widal, que representa Rios, comunicou a desistência sem dar explicações. A defesa de Jamilzinho também desistiu de ouvir o psiquiatra que o atende.
Peça-chave - Também foi a vez de Eliane Benitez Batalha dos Santos falar. Em princípio, ela foi considerada peça-chave para as apurações da Omertà, por ter revelado à polícia a ligações do marido, Marcelo Rios, com os Name e dado munição à investigação de crimes. Mas na fase de audiências dos processos derivados da operação, mudou completamente a versão, alegando ter sido torturada no Garras. Voltou a repetir a versão na terça-feira, com acusações pesadas contra o delegado Fábio Peró, responsável pelo primeiro interrogatório de Eliane.
Já os interrogatórios dos réus ocorreram no terceiro dia, todos alegando inocência no caso de Matheus Xavier. “Vlad”, Rios e Jamilzinho choraram bastante, cada um por um motivo – ao falar de inocência, ao lembrar-se dos filhos e ao lembrar do pai que morreu na cadeia, nesta sequência.
Hoje, inclusive, Name Filho foi medicado e deixou o plenário antes das considerações finais, chorando muito por mais uma citação da defesa sobre os dias de prisão do pai em Mossoró.
Reta final – A previsão do juiz Aluízio Pereira dos Santos, que presidiu o julgamento, era que o júri levasse 4 dias, mas ele decidiu estender os trabalhos na terça-feira (18) e nesta quarta (19) para evitar o desgaste, para todos, de um quarto dia de debates.
Choro contido foi a tônica do início da apresentação da Promotoria, responsável pela acusação. O promotor Moisés Casarotto se emocionou ao cumprimentar a mãe de Matheus, a advogada Cristiane de Almeida Coutinho, que trabalhou na assistência da acusação, e entregar a ela uma beca, com o nome do estudante assassinado por engano.
O acusador mencionou que o sonho interrompido do jovem era estar num Tribunal do Júri, ao final da graduação em Direto, mas como promotor.
Depois, a acusação mostrou aos jurados a dinâmica do crime; falou da estrutura piramidal de uma organização mafiosa, que evita a ligação direta entre mandantes e executores; detalhou litígio fundiário e traição, as motivações de Name para matar Xavier; e exibiu vídeo aterrorizante de espancamento praticado pelo guarda Marcelo Rios, o mais choroso dos réus.
As defesas dos três réus envolveu 17 advogados durante o processo. No último dia de julgamento, o grupo apelou para a mesma estratégia: alegou falta de provas.
Mas foi de Cristiane, a mãe da vítima, uma das participações mais fortes durante os 3 dias. Ela também pode falar nas considerações final, e apresentou Matheus aos jurados exibindo vídeo antigo do rapaz, gravado durante um tribunal simulado, organizado na faculdade.
Morto por engano – O estudante de Direito, Matheus Coutinho Xavier, foi assassinado no dia 9 de abril de 2019. O ataque aconteceu por volta das 18h, quando ele saía da casa onde vivia com o pai e irmãos, no Jardim Bela Vista, bairro nobre de Campo Grande.
A investigação apurou que o universitário foi morto por engano, pois estava manobrando a caminhonete S10 do pai. O policial militar reformado Paulo Roberto Teixeira Xavier era considerado traidor pela família Name, por isso, seria o alvo.
O rapaz foi atingido com sete tiros de fuzil AK-47 e o disparo fatal foi na base do crânio. A morte foi o início de uma investigação jamais imaginada, que levaria a queda de um dos clãs mais tradicionais de Campo Grande.
Tem mais - Mas os julgamentos dele não param por aqui. O próximo, ainda sem data definida, é sobre a morte do empresário Marcel Colombo, conhecido como "Playboy da Mansão", assassinado em 2018 em bar da Avenida Fernando Corrêa da Costa, em Campo Grande. Jamil Filho também é acusado de ser mandante do crime, por conta de briga dentro de uma boate, cinco anos antes. (Colaborou Bruna Marques)
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