Em júri que teve até "cena" de mata-leão, ex-militar é condenado a 23 anos
Promotora levou marido a tribunal para mostrar como réu matou; advogado convenceu que vítima provocou cliente
Em júri com direito a demonstração de como réu matou a sangue frio a esposa, Natalin Nara Garcia de Freitas Maia, aos 22 anos, o ex-militar da Aeronáutica, Tamerson Ribeiro Lima de Souza, de 32 anos, foi condenado a 23 anos e 4 meses de reclusão. Ele também terá de indenizar a filha da vítima, de 3 anos, em R$ 15 mil.
Após ouvirem acusação e defesa, os dois homens e as cinco mulheres que julgavam o ex-sargento decidiram considerá-lo culpado por homicídio qualificado por motivo torpe (desprezível) e emprego de asfixia. O júri também o considerou culpado por ocultação de cadáver. A vitória da defesa de Tamerson foi conseguir excluir a qualificadora de feminicídio da sentença. Os advogados João Ricardo Batista de Oliveira e Talita Dourado conseguiram convencer que a vítima provocou o réu e que ele sofria agressões em casa.
O juiz Aluízio Pereira dos Santos, da 2ª Vara do Tribunal do Júri, fixou as penas em 21 anos e 4 meses pelo assassinato e 2 anos e 40 dias por tentar se livrar do corpo.
Com a palavra, a acusação – Para convencer os jurados a condenar o ex-militar, a promotora Mariana Sleiman Gomes levou o marido para o plenário do Tribunal do Júri de Campo Grande, nesta tarde, e demonstrou como seria uma briga entre eles. A responsável pela acusação também mostrou vídeos do interrogatório do réu em juízo, para destacar frases ditas por ele e a gravação do depoimento da filha da vítima, de 3 anos, que, segundo a promotora, testemunhou o assassinato.
Na demonstração sobre como Tamerson teria matado a mulher, a promotora tentou desconstruir a tese da defesa de que o militar estava se defendendo, porque durante briga do casal Natalin passou a agredi-lo com socos e chutes. “Ele tinha outra forma de conter a Natalin, se ela estava socando e chutando ele? Se eu quiser um dia agredir meu marido assim, eu não consigo, porque ele me segura muito facilmente. Ele [o réu] passou do limite de querer conter, porque ele veio por trás dela”, afirmou.
Mariana também enfatizou que para ela, o objetivo do ex-sargento era matar sim. “Vou demonstrar as três teses. Primeiro ele falou ‘mata-leão’, depois ele falou que usou mão no pescoço e na barriga, depois, disse antebraço no pescoço e mão na barriga. São três situações diferentes e vou mostrar as três para vocês entenderem que é um absurdo chamar isso de legítima defesa ou excesso culposo, como alegam ali. ‘Ops, exagerei’, esse é o excesso culposo gente, ‘ai, fui um pouquinho além’”.
A promotora destacou que um golpe do tipo “mata-leão” é capaz de fazer uma pessoa perder a consciência em 15 segundos. “Se ele ficar 15 segundos comigo desse jeito, eu desmaio, mais do que isso, eu morro. Quinze segundos são capazes de matar uma pessoa com um mata-leão. Sabe quanto tempo ele disse que durou a agressão dele? 1 minuto”, interrogou, deixando que jurados refletissem.
A criança – Para chocar o júri mais ainda, Mariana Sleiman levou ao plenário o depoimento da menina de 3 anos, filha de Natalin, que tratava o ex-militar como pai. No vídeo, a menina diz: “Meu pai matou minha mãe”.
A criança revela ainda que estava em um colchão, num dos quartos da casa e completa com a frase: “Meu pai e minha mãe também estavam lá”.
A defesa de Tamerson nega que a menina tenha sido testemunha. O advogado João Ricardo Batista de Oliveira abriu as considerações finais afirmando, categoricamente, que a criança nada viu porque estava dormindo, com a porta do quarto fechada.
Interrogatório – A promotora também levou trecho do interrogatório do réu para chamar a atenção dos jurados para um ponto. Tamerson encerra o depoimento dizendo que está arrependido e se sente culpado pelo que fez a Natalin. “Se eu pudesse voltar atrás, eu apagaria aquele dia da minha história”, afirma.
Mariana Sleiman deu ênfase na palavra “minha”. “Como tirar o feminicídio, se ele disse em depoimento que queria apagar aquele dia da história dele, e não da Natalin? Em nenhum momento ele fala que não faria aquilo de novo. Ele mostra frieza a todo momento”.
Com a palavra, a defesa – O advogado de Tamerson argumentou que seria exagero condenar o cliente por feminicídio. “Ele estava apenas se defendendo, defendendo ele, defendendo ela mesmo, defendendo a criança. Aí vem o Estado e quer socar uma pena altíssima no rabo dele”, disse, com essas letras.
A defesa conseguiu a exclusão da acusação de feminícidio, alegando que o ex-militar não matou a esposa pelo fato dela ser mulher ou menosprezo à condição feminina.
João Ricardo até fez a comparação com outro caso recentemente julgado no Tribunal do Júri: o de Adailton Freixeira da Silva, de 46 anos, que foi condenado a 24 anos e 2 meses de prisão pelo assassinato da esposa Francielli Guimarães Alcântara, 36, que passou 27 dias sendo torturada por ele, até acabar morta por asfixia. “Não há comparação do Tamerson com o Adailton, que torturou até a mulher morrer! O Adailton era feminicida, o Tamerson era só um homem tentando se proteger do ‘surto’ da mulher que chegou de madrugada”.
O caso – No dia 6 de fevereiro deste ano, o corpo de Natalin foi encontrado na margem da BR-060, saída para Sidrolândia, área rural de Campo Grande. À polícia, Tamerson Souza alegou ter sido agredido pela esposa, que chegou embriagada e sob efeito de drogas. Para se defender, tentou segurá-la aplicando um golpe mata-leão e a mulher desmaiou.
O ex-militar justificou que não teve intenção de matá-la. Com medo de ser preso, colocou o corpo no porta-malas do veículo e, no outro dia, levou a filha para a escola com o corpo dentro do carro. Ele deixou a menina e depois seguiu para a rodovia, onde jogou o cadáver em meio a um matagal.
Quando a polícia chegou à casa do casal e o questionou sobre Natalin, disse que a esposa havia ido embora. Também tentou despistar as amigas dela, respondendo as mensagens no celular e se passando pela vítima. Segundo investigação, chegou a dizer para a filha, antes de o corpo ser localizado, que a mãe passou mal e morreu no hospital.