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Meio Ambiente

Ongs chamam de “genérico” Estatuto do Pantanal que tramita no Congresso

Ambientalistas apontam que o projeto é um início, mas não atende às necessidades específicas do bioma

Por Jhefferson Gamarra | 04/07/2024 15:50
Tuiuius aves símbolo do Pantanal, que enfrenta queimadas (Foto: Alex Machado)
Tuiuius aves símbolo do Pantanal, que enfrenta queimadas (Foto: Alex Machado)

Apesar de debatido em diversas sessões legislativas com participação popular, o "Estatuto do Pantanal", na Comissão de Meio Ambiente doo Senado, enfrenta duras críticas de quatro importantes organizações ambientais. WWF-Brasil, SOS Pantanal, EJF (Environmental Justice Foundation) e Chalana Esperança classificam o texto como "genérico" e apontam a falta de representatividade nas discussões, que, segundo elas, privilegiaram majoritariamente o setor agropecuário.

As entidades distribuíram uma nota técnica aos senadores antes da votação que aprovou o projeto na comissão e o encaminhou para a Câmara. A nota destaca que o texto aprovado carece de mecanismos efetivos para garantir a proteção do bioma, especialmente em um momento crítico da história do bioma, onde até junho deste ano registrou a maior área queimada do Pantanal desde 2012.

A principal crítica das ONGs é a ausência de políticas específicas para a Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai, cuja crise hídrica agrava os incêndios. Elas também ressaltam a necessidade de fortalecer as brigadas de incêndio, os critérios de licenciamento ambiental e as unidades de conservação. Sem uma abordagem específica para a Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai, as entidades alertam que o Pantanal pode secar completamente, aumentando a intensidade das queimadas e comprometendo o equilíbrio ecológico do bioma, sua biodiversidade e o bem-estar das comunidades locais.

Segundo a nota técnica, a supressão de referências à Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai e à garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas e das comunidades tradicionais do Pantanal é um grave erro do estatuto aprovado. As organizações pedem que esses pontos sejam reintegrados ao texto do estatuto, pois são essenciais para a preservação do regime hídrico característico do Pantanal e para garantir a segurança jurídica das comunidades locais.

As ONGs destacam que o apoio à política de manejo integrado do fogo, com o fortalecimento das brigadas ambientais, é fundamental. Elas defendem incentivos à capacitação e criação de novas brigadas pantaneiras, além de medidas concretas para apoiar o combate ao fogo, como um orçamento reforçado para disponibilizar ferramentas e maquinário necessário, incluindo aeronaves. Muitas áreas do Pantanal são de difícil acesso por terra, tornando essencial o uso de aeronaves para combater os incêndios.

A nota técnica também sublinha a importância de uma legislação federal que crie mecanismos para uma avaliação integrada dos impactos ambientais de empreendimentos no bioma. Essa avaliação deve estabelecer critérios específicos para o licenciamento ambiental na região e pontuar restrições ao uso intensivo do solo, especialmente em relação à agricultura monocultora, pecuária de confinamento, construção de barragens e PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) e mineração. Somente assim será possível impedir a degradação em larga escala do bioma.

Grande área do Pantanal consumida pelo fogo em 2024 (Foto: Alex Machado)
Grande área do Pantanal consumida pelo fogo em 2024 (Foto: Alex Machado)

Princípios do estatuto em tramitação - Entre os princípios do Estatuto do Pantanal estão o desenvolvimento sustentável e o respeito às diversidades locais, com políticas públicas que valorizam produtos e serviços do Pantanal e promovem tecnologias alternativas ao uso do fogo. O texto prevê uma gestão descentralizada e integrada entre os governos federal, estadual e municipal, com participação da sociedade civil e setores científico e privado.

Outras diretrizes incluem a prevenção e combate ao desmatamento não autorizado, regularização fundiária, combate às ocupações desordenadas e incentivo à implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR). O projeto também propõe instrumentos econômicos para incentivar atividades sustentáveis no bioma, como o pagamento por serviços ambientais e programas de compensação pelas medidas de conservação ambiental adotadas.

O plano de manejo integrado do fogo é outro ponto abordado, buscando garantir o uso responsável do fogo e evitar incêndios florestais. Diretrizes para as políticas nacionais, estaduais e municipais incluem mapeamento de zonas de risco, monitoramento de focos de calor por sensoriamento remoto e criação de programas permanentes de brigadas florestais.

O estatuto também estabelece normas para o desenvolvimento do turismo sustentável no Pantanal, incluindo a criação de um selo "Pantanal Sustentável" para valorizar produtos e atividades sustentáveis do bioma. A criação deste selo visa fomentar a prática de atividades turísticas e culturais e identificar boas práticas que resultem na preservação dos recursos naturais.

De acordo com a Constituição, os biomas nacionais devem ser utilizados dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. Contudo, apenas o bioma Mata Atlântica possui regulamentação própria federal. Jayme Campos (União-MT), relator do projeto, destacou que, devido à competência concorrente entre União e estados para legislar sobre proteção ambiental, os estados pantaneiros vêm regulamentando o uso do Pantanal há longa data.

Mato Grosso do Sul, por exemplo, estabeleceu diversos avanços legislativos sobre a ocupação e uso estadual do bioma, como a lei que cria o Programa de Gestão Territorial e aprova a Primeira Aproximação do Zoneamento Ecológico-Econômico do estado (Lei 3.839, de 2015). Já no âmbito de Mato Grosso, o relator destacou a lei que institui a Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso (Lei 8.830, de 2008).

Decisões judiciais e ações da PGR - Apesar desses avanços estaduais, a Procuradoria-Geral da República (PGR) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), em 2021, para questionar a demora do Congresso Nacional em editar uma lei que regulamente a conservação do Pantanal mato-grossense. Em junho, o Plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu a omissão e determinou que o Legislativo deve regulamentar o tema num prazo de 18 meses.

Conclusão das ONGs - Para as ONGs, o Projeto de Lei n. 5482/2020, apresentado pelo Senador Wellington Fagundes (PL-MT), é um início, mas não atende às necessidades específicas do Pantanal. Elas consideram que, para cumprir os desígnios constitucionais, o Parlamento precisa editar uma norma que efetivamente conserve o bioma, preservando os processos ecológicos essenciais, como a dinâmica hídrica e a conservação da biodiversidade. Isso inclui a proibição de novas conversões de áreas no Pantanal para uso alternativo do solo e a obrigatoriedade de compensação ambiental nas áreas já desmatadas.

“Apesar de o Projeto de Lei n. 5482/2020 ser voltado ao Pantanal, o conteúdo ali existente é genérico e não resguarda as condições singulares desse bioma, de modo que o disposto poderia, facilmente, ser aplicado para outros biomas sem prejuízos. Dessa forma, o projeto de lei não atende à necessidade de se ter uma lei especial para o bioma, muito menos assegura a sua devida proteção”, aponta a nota.

Brigadistas combatendo chamas no Pantanal (Foto: Alex Machado)
Brigadistas combatendo chamas no Pantanal (Foto: Alex Machado)

As ONGs também defendem a implantação de novas unidades de conservação, fortalecimento das gestões das unidades existentes, ampliação dos seus territórios, implementação de corredores de biodiversidade e restauração ecológica de cabeceiras. Elas pedem políticas de desenvolvimento econômico sustentável e compensações, complementando os critérios de elegibilidade para esquemas de certificação, programas de pagamentos por serviços ambientais e linhas diferenciadas de financiamento da produção.

Em suma, as organizações ambientais enfatizam que uma legislação específica para o Pantanal deve assegurar a preservação do meio ambiente e oferecer alternativas de uso sustentável para as populações locais. De acordo com os ambientalistas, o Congresso Nacional deve se debruçar sobre a formulação de uma norma que realmente proteja o bioma e as pessoas que nele vivem, dando a proteção necessária e adequada para evitar a continuidade da degradação ambiental.

Com a aprovação na comissão, o projeto agora aguarda a análise da Câmara dos Deputados, onde poderá passar por novas discussões e ajustes antes de se tornar lei.

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