STF rejeita e Congresso aprova: qual decisão prevalece sobre o marco temporal?
Especialistas divergem sobre as teses e apontam incertezas jurídicas em meio a disputa
O cenário jurídico e político brasileiro vive um momento de intensa disputa e debate em torno do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Nos últimos dias, o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Congresso Nacional tomaram atitudes divergentes em relação ao tema, levantando questões sobre qual decisão prevalecerá e como isso afetará os direitos dos povos indígenas e a questão agrária do país.
Na semana passada, a Suprema Corte do Brasil proferiu uma decisão histórica ao considerar o marco temporal ilegal. Esse conceito estabelecia que os povos indígenas só teriam direito às terras tradicionalmente ocupadas se estivessem na posse delas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. No entanto, o recente julgamento do STF modificou essa interpretação, permitindo que as terras indígenas possam ser demarcadas a qualquer momento, mesmo após a promulgação da Constituição.
A decisão do STF gerou uma série de questionamentos e preocupações, incluindo alegações de que o tribunal estaria interferindo em uma questão de competência legislativa. Por outro lado, a bancada ruralista no Congresso Nacional defende o marco temporal, argumentando que ele é essencial para evitar demarcações que poderiam impactar o agronegócio.
No entanto, na última quarta-feira, o Senado Federal aprovou um projeto de lei que estabelece o marco temporal como regra para as demarcações de terras indígenas. Esse projeto já havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados e agora segue para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Os indígenas são fortemente contrários ao marco temporal. Eles argumentam que esse critério não é preciso, já que alguns povos são nômades e podem estar ligados a uma terra, mesmo não a habitando naquela data específica. Além disso, destacam que a ditadura retirou muitos povos de suas terras históricas, tornando ainda mais injusto o estabelecimento desse marco temporal.
Ex-presidente da OAB-MS e pós-graduado em Direito Constitucional, o advogado Mansour Karmouche é enfático ao afirmar que o projeto de lei aprovado não pode sobrepor ao que o Supremo decidiu. É noção básica que a palavra final é do STF, e é só ele quem pode interpretar a Constituição Federal", diz.
“Houve uma omissão legislativa, ao não se definir lá atrás um marco temporal na Constituição Federal de 88. A decisão quanto ao marco não foi tomada no momento exato que deveria. O STF atuou sobre uma omissão legislativa, já que o marco não foi definido pela Constituição e essa discussão ficou há anos parada na Câmara dos Deputados", reforça Karmouche.
Anderson Santos, assessor jurídico do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), segue o mesmo entendimento, acrescentando que todo o trabalho realizado no Legislativo será em vão, uma vez que o estabelecimento de um marco foi indiretamente declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
“Se o STF fez um julgamento que trata do mesmo tema, confirmando que o marco temporal não existe, que a Constituição de 1988 não recepcionou essa tese, o Senado Federal está fazendo um trabalho que será um desperdício de dinheiro público e de tempo. Poderiam estar votando questões que de fato precisam serem enfrentadas no país, estão se voltando a interesses puramente políticos e econômicos e buscando a aprovação de um projeto de lei que já foi indiretamente declarado inconstitucional”, avaliou.
No entendimento do advogado constitucionalista André Borges, o STF deveria ter esperado o Congresso Nacional legislar em definitivo sobre o tema, considerando que a Suprema Corte do Judiciário acabou legislando sobre a questão, o que foge de suas atribuições.
“O assunto é importante e polêmico, o STF deveria ter esperado o Congresso Nacional legislar em definitivo. Órgão do Judiciário acabou por legislar, o que é vedado. O marco temporal decidido em 2009 trazia alguma segurança, que agora desapareceu”, considerou.
No entanto, o constitucionalista reforça que até por enquanto segue o que foi determinado pelo STF como regra, porém o assunto ainda vai gerar muitos embates, que foram arrastados por anos devido a omissão da Constituição Federal e inércia do Congresso em pautar o tema.
“Vale o decidido pelo STF, por ora. Isso ainda vai dar muita confusão. De qualquer maneira, o STF não deveria ter decidido nada sobre isso. A Constituição Federal é omissa a respeito. Daí a competência do Congresso para cuidar do assunto, mas o Congresso demorou, também foi omisso. Quando se mexeu, já estava decidido. Com isso continuam as dúvidas e dificuldades. Para os dois lados: indígenas e prioritários rurais”, ressaltou Borges.
Tramitação – Com a aprovação no Senado, o presidente Luiz Inácio Lula da Sita (PT) terá o prazo de 15 dias para sancionar ou vetar o marco temporal. O líder do governo no Congresso Nacional, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), acredita que o presidente Lula vetará determinadas partes do projeto que não têm relação direta com o processo de demarcação de terras indígenas.
O resultado desse embate entre o STF e o Congresso Nacional levanta sérias questões sobre o futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil. A decisão final, seja ela qual for, terá um impacto profundo nas comunidades indígenas e do agronegócio do país, tornando esse assunto longe de ser encerrado.
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