"Máfia do ar-condicionado" lucrou com 3 prefeituras
Cidade que mais superfaturou produtos foi Rochedo, onde golpe aos cofres públicos foi de R$ 3,6 milhões
Dados da Operação Turn Off realizada na semana passada para combater quadrilha de fraude em licitações identificou movimentação de R$ 4,3 milhões em processos nas cidades de Itaporã, Rochedo e Corguinho.
Somente no segundo município citado foram R$ 3,6 milhões em produtos de informática superfaturados. Equipamentos de ar-condicionado, de fisioterapia e armazenamento em nuvem são os objetos dos certames fraudados.
As licitações fraudadas em Rochedo são para compra de equipamentos de fisioterapia, ao custo de R$ 55 mil e de informática, que totalizaram R$ 3,6 milhões. Em janeiro do ano passado, os policiais do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) e do Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção), em interceptação telefônica, acompanharam conversa entre o empresário Lucas Coutinho, a Isototal e o servidor municipal de Rochedo, Fernando Passos Fernandes.
As tratativas seguiram pelo mês de janeiro e em março de 2022 foi emitida nota de empenho pela Prefeitura de Rochedo para pagamento de R$ 55 mil. Pelas investigações, ficou claro o direcionamento de licitação para beneficiar a Isototal, o pagamento de propina ao servidor que facilitou o procedimento e ainda a negociação direta entre empresário e servidor.
Apesar de o valor não ser apresentado, para os investigadores, houve “encontros privados marcados justamente após o pagamento pelo ente público, de forma que a situação observada acima segue o mesmo modus operandi da atuação do grupo criminoso, sendo certo afirmar que, nessa ocasião, Lucas Coutinho pagou propina a Fernando Passos Fernandes”.
No certame mais caro, feito em pregão eletrônico, Lucas e Fernando seguiram se comunicando. Como se trata de licitação com vários lotes, além das empresas de Lucas, outras de amigos ou familiares foram diretamente beneficiadas. “Ao que tudo indica, um dos temas tratados nas reuniões dos dias 27 e 29/04/2022 referiu-se à captação de orçamentos/cotações visando subsidiar licitação pública que seria fraudada”, afirmam os investigadores.
Materializando o esquema criminoso engendrado por Fernando Passos, Fabricio da Silva, Lucas Coutinho, e, em tese por Luiz Alberto Sanches Lescano, segundo consta na Ata de Registros de Preços n. 010/2022, Pregão Presencial 022/2022, a empresa Fabricio da Silva conquistou diversos itens, que somados perfizeram o montante de R$ 1.370.600,00; a empresa Comercial Isototal conquistou R$ 667.425,00; a empresa C.C.M Rezende Ltda conquistou R$ 220.375,00; e a empresa Vini + Comércio de Equipamentos e Serviços Eireli conquistou R$ 1.320.030,00”, revela a investigação no pedido de prisões e buscas efetuados na semana passada.
Nesse caso específico, houve crime de frustração do caráter competitivo de licitação (art. 337-F do CP), “tendo em vista que os investigados dolosamente elaboraram, compartilharam e apresentaram propostas de empresas do mesmo grupo criminoso”.
Itaporã - Na cidade de Itaporã, os processos fraudados foram de aquisição de aparelhos de ar-condicionado através de adesão a ata de registro de preço do Governo de Mato Grosso do Sul. Foram adquiridos 49 equipamentos para instalação nas escolas municipais, sendo que o superfaturamento constatado foi na compra de 20 ares de 24.000 BTUs ao custo de R$ 11.011,00 cada um, totalizando R$ 220.220,00.
O valor é o mesmo praticado junto ao pregão da SAD (Secretaria de Estado de Administração e Desburocratização), que também foi superfaturado, como o Campo Grande News contou aqui. Nesse caso, houve conluio e cooptação de servidores públicos municipais do município.
Conversas entre Lucas Coutinho e Nilson dos Santos Pedroso, gerente municipal de aquisições governamentais de Itaporã, “indicam a existência de encontros, articulações, e o pagamento de propina em razão de fraude em processos licitatórios”. Houve cotações fraudadas de outras empresas de parentes e amigos de Coutinho, que, ao que tudo indica, sabiam da empreitada criminosa.
A ideia principal era direcionar a compra dos aparelhos de 24.000 BTUs, a serem fornecidos pela Isotal. “(...) no dia 05/04/2022, às 12:28:59, Nilson Pedroso envia mensagens para Lucas Coutinho, solicitando-as, frisando a necessidade de três orçamentos, orientando Lucas a não enviar cotação da sua empresa, e mencionando que em tais documentos devem constar valores superiores aos valores constantes na ARP n. 009/SAD/2022, demonstrando de forma cabal as ações/manobras criminosas visando fraudar licitação pública”.
Em 20 de maio de 2022, publicação em Diário Oficial da Prefeitura de Itaporã oficializou a adesão à ata, identificando os quantitativos e inclusive a disparidade de preços em condicionadores de ar de 24.000 BTUs. Foram 10 de 12.000 BTUs por R$ 3 mil cada; 10 de 18.000 BTUs, por R$ 3.888,00 cada; 9 de 24.000 BTUs por R$ 5.446,00 cada; e mais 20 de 24.000 BTUs por R$ 11.011,00 cada um.
Para que a adesão parecesse legal, os orçamentos fraudulentos encaminhados por outras empresas, conforme orientações de Pedroso a Coutinho, “devem constar valores superiores aos valores constantes na ARP n. 009/SAD/2022”.
“Mensagens trocadas entre os investigados Lucas Coutinho e Nilson Pedroso, e entre Lucas Coutinho e Sérgio Duarte Coutinho Júnior, nos dias 26/04/2022, 01/06/2022 e 03/06/2022, indicam que houve a efetivação da fraude e o pagamento de propina em razão da fraudulenta adesão à ARP n. 009/SAD/2022, visando a aquisição de condicionadores de ar superfaturados para atender a Gerência Municipal de Educação de Itaporã/MS”, cita parte do relatório, que novamente não revela o valor da propina.
Já em licitação direcionada para compra de armazenamento em nuvem de arquivos municipais, houve efetivamente o pagamento de R$ 30 mil ao servidor Nilson. O superfaturamento superou em 10x o valor real do serviço na compra de 2 terabytes para armazenamento em nuvem, que poderia ser feito por R$ 10.080,00, mas custou R$ 104,4 mil. Entretanto, apenas 1 terabyte foi efetivamente entregue.
“Ainda, observa-se do teor das mensagens acima, que dos R$ 104.400,00 gastos pelo Município, o custo efetivo do serviço contratado seria de apenas R$ 10.080,00 para 2 terabytes de armazenamento”, mas “apesar de as duas dispensas totalizarem o fornecimento de 2 terabytes de armazenamento em nuvem, apenas 1 terabyte seria fornecido, de forma que o cálculo realizado pelos investigados, onde foi previsto o valor de R$ 10.080,00 para o custo efetivo do serviço, estaria incorreto, dado que esse valor seria, na verdade, de apenas R$ 5.040,00”.
Corguinho - Em Corguinho, a compra de equipamentos periféricos de informática em licitação fraudada chegou a R$ 271,0 mil e “o esquema, inicialmente engendrado por Fernando Passos, Fabricio da Silva e Lucas Coutinho no âmbito da Prefeitura de Rochedo, estendeu-se para o Município de Corguinho, conforme será demonstrado”, citam os investigadores.
Em mais uma dispensa de licitação, o município de Corguinho aderiu a ata de Rochedo e mais um vez, empresas “amigas” de Lucas Coutinho encaminharam cotações falsas superfaturadas e com o objetivo de beneficiar as empresas parceiras.
“Três dias após o Pregão Presencial n. 022/2022 (fraudado) da Prefeitura de Rochedo, Fabrício da Silva (empresário “amigo”) envia mensagens para Lucas Coutinho para que ele providenciasse cotações de preço visando a utilização/adesão da Ata (recém conquistada no Município de Rochedo), em licitação no Município de Corguinho/MS”.
Posteriormente, se junta ao grupo a servidora Maisa da Silva Benites, indicada por Fabrício e responsável pelo setor de compras e fiscal de diversos contratos no âmbito da Prefeitura de Corguinho, “inserindo-a como agente facilitador/integrante do grupo criminoso”.
Ao final, materializando o esquema criminoso, as empresas Fabricio da Silva e Comercial Isototal firmaram contratos com a Prefeitura Municipal de Corguinho, por meio da dispensa de licitação 0001/2023, processo 045/2023, via adesão à Ata de Registros de Preço n.010/2022, gerenciada pela Prefeitura Municipal de Rochedo/MS”, finalizam os investigadores.
Para o Gaeco e Gecoc, “denota-se a firme e ininterrupta atuação da organização criminosa, que há anos atua em todo o Estado de Mato Grosso do Sul, fraudando licitações e contratos públicos, corrompendo servidores públicos e causando prejuízos milionários aos entes públicos, razão pela qual resta evidenciada a necessidade do deferimento do presente requerimento para o aprofundamento das investigações e a cessação da atuação dessa organização criminosa e dos crimes praticados”.
O Campo Grande News entrou em contato com as três prefeituras e aguarda o posicionamento dos municípios sobre procedimentos adotados em relação às fraude.
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