Se fosse série de TV, nome de 2019 seria “O ano em que os Name caíram”
Apontado desde sempre como chefe da jogatina na cidade, Name e o filho estão presos há 3 meses por comandar grupo de extermínio
Poucos sul-mato-grossenses sabiam. Mas o amanhecer do dia 27 de setembro deste ano preparava cena surpreendente. Naquele dia quente como qualquer outro do começo da primavera, aconteceria uma virada tão inesperada quanto histórica. Avisadas só na véspera, equipes do Gaeco (Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado), Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros), Bope (Batalhão de Operações Especiais) e Batalhão de Choque se reuniram antes das 5h e às 6h estavam nas ruas para cumprir mandados de prisão e de buscas autorizados pela Justiça. “Cairia a casa” para os Name, na gíria compartilhada tanto pela malandragem quanto por policiais.
Com o ano quase indo embora, essa com certeza é uma das imagens mais fortes da retrospectiva de 2019 por aqui. Nesta sexta-feira (27), entre a ressaca do Natal e a expectativa da chegada de 2020, serão exatos três meses de prisão do empresário Jamil Name, 80 anos, do filho Jamilzinho, de 42 anos, e de mais 20 pessoas, entre guardas civis municipais, policiais civis, um policial federal, e funcionários da família.
Todos passam as festas de fim de ano na cadeia, apesar das inúmeras tentativas de liberdade feitas pelas defesas, alegando até nulidade de provas, chegando até o STF (Supremo Tribunal Federal). Todos foram alvos da Operação Omertà, nome inspirado na lei do silêncio imposta aos integrantes de grupos mafiosos. São réus por formar organização criminosa capaz de executar inimigos por motivos variados, da vingança por negócios ao ódio alimentado por anos, depois de empurrão na balada.
Para dar cabo dos rivais, conforme levantado, os investigados cometeram mais crimes: mantiveram estrutura ilegal de compra e guarda de armas pesadas, fizeram monitoramento virtual de vítimas, praticaram corrupção de agentes públicos, extorquiram pessoas, compraram veículos roubados, incendiados depois dos crimes, e coagiram testemunhas. Crimes de agiotagem também foram detectados, conforme as inúmeras escutas obtidas
É difícil contar esses fatos sem apelar ao lugar comum da figura do cinema ou, na linguagem mais contemporânea, das séries acompanhadas avidamente pelos fãs. Parece história de máfia da ficção. E é, só que da vida real de uma cidade com quase 900 mil habitantes, segundo as equipes responsáveis por levantar o conjunto de provas.
A trama é cheia de imagens típicas de produções de ação. A casa do homem apontado como chefe da organização, Jamil Name, foi cercada pela maior equipe destacada no dia das prisões. Havia promotores, delegado, oficiais militares, policiais civis. Na mansão no condomínio de bairro chique, quem estava no lugar foi “confinado” em um único cômodo. Enquanto isso, tudo era vasculhado. Só em dinheiro, foram apreendidos R$ 180 mil.
Cinco horas depois, Jamil Name e o filho Jamilzinho saíram presos. Antes, segundo testemunho de quem estave lá, proferiram improprérios contra magistrados. O “Velho”, como é conhecido o patriarca, teria dito à esposa que a prisão não duraria até o outro dia.
Esquema copiado - O sobrenome Name sempre foi citado, nas ruas e bastidores policiais locais, como comandante da jogatina na cidade. Jamil Name Filho chegou a ser preso em 2009 pela Polícia Federal em ação contra exploração de caça-níqueis. Ficou no presídio federal de segurança máxima em Campo Grande, mas acabou sendo solto.
No dia 20 de agosto, na primeira peça oficial da Operação Omertà, no pedido de autorização judicial para prender pai e filho como chefes de grupo de extermínio, o Gaeco (Grupo de Atuação Especial Contra o Organizado) afirma que a milícia armada especializada em crimes de pistolagem copiou sua estrutura do jogo do bicho. Foram identificados quatro núcleos: o comando, os gerentes, os homens de apoio e os pistoleiros, a quem cabia emboscar e eliminar as vítimas.
Nos relatórios de investigação, volta e meia aparece o nome de um dos envolvidos como participante também da recolha de dinheiro do jogo do bicho, por exemplo. A bolsa de apostas clandestina - mas que quem quer sabe onde apostar - segue operando, à espera de uma próxima etapa das ações.
Nas bancas, a reportagem conseguiu fazer jogos normalmente, tanto nas comandas de papel jornal quanto no aplicativo em que o boleto sai impresso na hora.
O Campo Grande News tentou saber sobre essa etapa, mas o silêncio impera entre as autoridades responsáveis pela complexa operação. Foi assim desde o início, como estratégia para proteger dados e os próprios servidores, conforme alegado. A pergunta foi feita claramente, por e-mail, mas até o fechamento do texto, não houve devolutiva do Gaeco.
Antes de atingir esse nível de aprofundamento, há outro estágio em suspenso: a chegada das apurações a delegados sob suspeita de fazer vista grossa ou dar cobertura às ações do grupo criminoso. Conforme as informações obtidas até agora, existem cinco sob suspeição.
Já foi muito – Ninguém fala em entrevista, mas informalmente o fato de conseguir levar Jamil Name e os comandados à prisão é considerado um avanço e tanto para as equipes envolvidas na Operação Omertà. O Garras (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros), onde se concentrou a força-tarefa responsável pelas investigações, cita que a ligação do grupo com execuções na cidade sempre foi de conhecimento público, porém nunca houve apoio suficiente, e segurança garantida, para avançar aos nomes dos mandantes.
Exemplo relatado é a execução do delegado aposentado Paulo Magalhães, morto ao buscar a filha na escola, em 2012. Os pistoleiros, agora identificados como integrantes da organização chefiada pelos Name, foram condenados, mas os mandantes não. Foi para ter auxílio que a força-tarefa-criada em novembro do ano passado, após quatro execuções com características semelhantes.
Prisão decisiva - Foi uma dessas execuções o estopim para a chegada efetiva até a organização criminosa da forma como se conhece agora. Em 9 de abril, o estudante de Direito Matheus da Costa Xavier, de 20 anos, foi fuzilado na porta de casa, quando manobrava a camionete do pai, o capitão reformado da PM (Polícia Militar) Paulo Roberto Teixeira Xavier, 42 anos. O próprio Xavier logo admitiu: o alvo era ele. O policial, alvo de decisão judicial recente determinando a perda da patente, já havia sido avisado, por um hacker, de que estavam atrás dele.
Em 23 de abril, policiais do Batalhão de Choque da Polícia Militar chegaram a uma testemunha-chave do caso, Eurico dos Santos Mota, 28 anos, contratado para monitorar os passos de Xavier. Foi Eurico quem “subcontratou” o trabalho para o hacker que avisou Paulo Xavier, uma semana antes de Matheus ser morto. Localizado pelos policiais militares, Eurico confessou ter sido procurado por Juanil Miranda Lima e José Moreira Freires, o “Zezinho”, os dois homens relacionados como pistoleiros da organização criminosa.
Nessa data, o nome dos Name já surgia no inquérito do assassinato, a cargo da DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídio). Porém, Eurico ficou foragido desde então, após prestar depoimento. Ele teve a prisão temporária decretada em maio, e só foi preso no de 20 de novembro, em Joinville, Santa Catarina.
Era o que faltava. Da prisão até o fechamento do trabalho policial foram duas semanas. No dia 5 de dezembro, o inquérito foi relatado, responsabilizando Jamil Name e Jamilzinho como mandantes da morte por engano de Matheus Xavier, além de Eurico, os dois pistoleiros, o policial civil Vladenilson Daniel Olmedo e o ex-guarda civil Marcelo Rios.
Rios é, também, um nome importante no processo para desbaratar a organização criminosa. O ex-guarda está preso desde 19 de maio deste ano, em outro episódio marcante para a acusação: com ele foi pego arsenal atribuído ao grupo de extermínio. Eram fuzis, pistolas, munição, dois bonés-espiões e, até, bloqueadores de sinais de celular.
Marcelo Rios, no processo por homicídio doloso qualificado contra os Name, é indicado como o responsável pela contratação dos pistoleiros que errarar ao matar o estudante de direito em vez do oficial da Polícia Militar, considerado “traíra” pela por ter se aliado a um inimigo conhecido dentro da casa dos Name.
No dia 13 de dezembro, os sete envolvidos nesse crime foram denunciados pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) e no dia 17 de dezembro, viraram réus. Foi a primeira execução atribuída à organização criminosa esclarecida, dos executores aos mandantes.
Foram relacionadas 15 testemunhas de acusação, que serão ouvidas nos dias 2 e de março do ano que vem. Entre elas, há policiais que atuaram nas investigações, dos quais três são delegados de Polícia Civil integrantes da força-tarefa precursora da Omertà.
Ao todo, são cinco delegados, quatro homens e uma mulher. No Gaeco, também são cinco promotores, igualmente quatro homens e uma mulher. Nas mãos deles, há outras três mortes atribuídas ao grupo de extermínio cujos inquéritos estão por concluir. As vítimas são o chefe de segurança da Assembleia Legislativa, llson Martins Figueiredo, 62 anos, em junho do ano passado, de Orlando da Silva Fernandes, o “Bomba”, 41 anos, além do homicídio do empresário Marcel Hernandes Colombo, o “Playboy da Mansão”, 31 anos, vítima de atiradores no dia 26 de outubro de 2018.
Há, ainda, um levantamento mais delicado, de crimes de pistolagem antigos, sem solução. São cerca de 15 assassinados com características de crime de encomenda. Entre eles, está o “Caso Motel”, a morte de dois jovens ocorrida em 2006, até hoje sem culpados apontados.
De tudo que foi escrito nessa retrospectiva, há muitas perguntas em aberto e uma conclusão: ainda tem muito serviço pela frente para polícia, Ministério Público. Para os agentes da lei envolvidos, o ano mudou quando, quando, no alvorecer do dia 27 de setembro, acordaram mais cedo para cumprir as ordens de prisão, busca e apreensão da Operação Omertà. Ali, decididamente, protagonizaram capítulo decisivo da série policial que poderia ser inspirada nos fatos investigados.