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Cidades

Ex-coordenador fraudava licitações e desviava recursos da Apae desde 2019

Paulo Muleta recebia propina de 4% sobre itens comprados para ostomizados e em uma delas faturou R$ 19 mil

Por Lucia Morel | 04/12/2023 18:00
Ex-coordenador técnico do CER (Centro Especializado em Reabilitação e Oficina Ortopédica), da Apae, Paulo Henrique Muleta Andrade
Ex-coordenador técnico do CER (Centro Especializado em Reabilitação e Oficina Ortopédica), da Apae, Paulo Henrique Muleta Andrade

Em 18 de junho de 2019, a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Campo Grande) firmou convênio de repasse de recursos para atendimento direto aos ostomizados de Mato Grosso do Sul, pessoas que precisaram passar por uma intervenção cirúrgica para fazer uma abertura ou caminho alternativo no corpo para a saída de fezes ou urina, assim como auxiliar na respiração ou na alimentação. Mas até essa condição de saúde é usada para desviar recursos público, conforme denúncia do Ministério Público Estadual.

O recurso inicial, repassado pelo Estado, foi de R$ 2,5 milhões para “potencializar o atendimento e a qualidade assistencial à saúde da pessoa com ostomia”. É exatamente através desse convênio que o ex-coordenador técnico do CER (Centro Especializado em Reabilitação e Oficina Ortopédica), da Apae, Paulo Henrique Muleta Andrade desviou recursos e recebeu propina.

Entre as responsabilidades da Apae no convênio estava a compra de insumos e materiais de expediente para ostomizados e também para outros serviços do SUS (Sistema Único de Saúde) realizados pela associação. Investigação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) e do Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção) é taxativa em afirmar que Muleta recebeu propina dos irmãos Lucas e Sérgio Coutinho, das empresas Isototal e Maiorca, respectivamente.

O esquema criminoso durou até os dias atuais, quando na semana passada, os três foram presos na Operação Turn Off, em Campo Grande. Todos já tiveram a prisão revogada e usam tornozeleira. “(...) as mensagens trocadas entre Paulo Muleta e Sérgio Coutinho indicam que o esquema de desvio de verba da APAE não ficou restrito ao ano de 2019, repetindo-se nos anos subsequentes e até o presente”, enfatiza petição pela prisão preventiva.

O convênio 29.243/2019 recebeu acréscimo de R$ 7,5 milhões entre dezembro de 2019 e agosto de 2020, totalizando R$ 10 milhões. Tal aumento se explica porque teve seu tempo prorrogado até dezembro de 2021, sem mais acréscimos ou prorrogações. Vale ressaltar que as fraudes e propinas só foram possíveis porque as compras eram feitas diretamente pelo CER/Apae, sem passar pelo Governo de MS, que fazia apenas os pagamentos à entidade.

Propina – Como o Campo Grande News já divulgou, Paulo Muleta recebia 4% do valor total dos produtos para ostomizados adquiridos pelo centro que ele coordenava. Não se sabe exatamente e nem mesmo a investigação cita o valor total que ele haveria recebido. Muleta chegou a passar os dados da conta corrente de sua esposa para receber os pagamentos por fora, mas os irmãos Coutinho ficaram receosos e preferiram pagar em dinheiro vivo.

Tanto que Sérgio Coutinho Júnior envia mensagem ao irmão o alertando sobre isso, mostrando matéria jornalística que fala da atuação da Receita Federal em transações financeiras acima de R$ 30 mil, indicando que o pagamento superava esse valor.

“Ou seja, tipo, essa mulher aí que a gente nem sabe quem é vai ter entrada de mais de 30 mil na conta, ela vai receber intimação pra justificar a origem desse dinheiro, e aí, aí você já sabe né, aí começa a merda, né?”, questiona Sérgio em mensagem de áudio ao irmão. Aí, a entrega da propina foi feita em mãos e em espécie.

Já em 2021, no mês de julho, ocorre conversa entre Paulo e Lucas Coutinho em que o primeiro avisa que foi feito pagamento à Comercial Isototal pela compra de materiais de ostomia. Na mensagem, Paulo envia comprovante no valor de R$ R$ 476.009,30 e cobra sua propina de 4%, que chegaria, neste caso específico, a R$ 19.040,37.

Mais uma funcionária da Apae – Uma segunda funcionária da Apae, Kellen de Lis Oliveira da Silva, ex-supervisora do setor de estomaterapia e curativos do CER/Apae, também recebia propina e participava da organização criminosa liderada pelos irmãos Lucas e Sérgio Coutinho, conforme as investigações. A Apae a afastou do trabalho na semana passada, assim como Paulo Muleta.

Ela recebeu propina, sem valor revelado na investigação, na aquisição da chamada bolsa de karaya, também usada em ostomizados e inclusive cobra Lucas Coutinho do pagamento.

No dia estipulado para o encontro, sexta-feira, 09/07/2021, Kellen conversa com Lucas Coutinho, enviando mensagens sem contexto, apenas “Dia” e na sequência ponto de interrogação “?”, sendo respondido por Lucas que “sim”, deixando claro a intenção de ocultar o sentido da conversa e a finalidade do encontro. Corroborando a suspeita, Kellen se deslocou até o escritório de Lucas Coutinho.”

Até mesmo uma funcionária de Lucas estaria empregada na associação para atender os interesses dos Coutinho e havia trama entre Kellen e Lucas para que tal empregada se inserisse mais na sede de dispensação de insumos da Apae para agilizar o uso de produtos comprados da Isototal, já que outros funcionários estariam privilegiando itens de outra empresa. Assim, “áudio enviado por Lucas demonstra que os investigados (Kellen e Lucas) traçaram metas/meios para a obtenção do controle do setor de dispensação”.

Por fim, a investigação identificou que Paulo e Kellen direcionavam as compras dessa instituição para a empresa Comercial Isototal, de Lucas Coutinho. “A atuação dos mesmos em uma instituição que promove atendimento médico e intelectual às pessoas com deficiências mostra o quão nociva e prejudicial à sociedade é a atuação da organização criminosa em análise”, estabelecem os investigadores.

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