Dono de lava a jato que matou funcionário pagará R$ 100 mil por danos coletivos
Dono e ajudante foram condenados pela morte do adolescente, em fevereiro de 2017
Thiago Giovanni Demarco Sena, 26 anos, foi condenado a pagar R$ 100 mil de danos morais coletivos em razão da morte do empregado, Wesner Moreira da Silva, 17 anos, após "brincadeira" com compressor em um lava a jato, localizado na Avenida Interlagos, em Campo Grande. Em março deste ano, Demarco e outro funcionário, William Enrique Larrea, 36, foram condenados a 12 anos, cada um, pelo crime.
A decisão da indenização é do TST (Tribunal Superior do Trabalho): "para quem a tragédia ocorrida com o jovem representou lesão aos interesses e aos direitos de toda a coletividade".
O episódio ocorreu em fevereiro de 2017, durante uma suposta “brincadeira” do proprietário e do ajudante William, que consistiu em introduzir o bico da mangueira do compressor de ar nas nádegas do rapaz. Ele passou mal, teve vômitos, inchaço na barriga e, com muita dor, foi encaminhado ao hospital, onde morreu alguns dias depois. A causa da morte seria uma hemorragia interna no esôfago, que teria rompido com a entrada do ar comprimido.
Thiago e o ajudante foram a júri em março deste ano, sendo condenados a 12 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado pelo dolo eventual (quando a pessoa assume o risco de matar) e recurso que dificultou a defesa da vítima. Mesmo sentenciados, saíram em liberdade, enquanto aguardam os processos de recursos.
Ação - No mesmo mês, o MPT (Ministério Público do Trabalho) ajuizou ação civil pública contra a empresa e seu sócio. A partir dos depoimentos e dos documentos reunidos em inquérito, o MPT concluiu que havia trabalho infantil ou de adolescente no local, agravado pela exposição a abusos físicos, psicológicos ou sexuais e por várias ilegalidades referentes ao meio ambiente e à segurança do trabalho.
Para o órgão, a situação gerou “repercussão negativa, insuportável e desproporcional, sobre os valores da coletividade”, e, por isso, pediu a condenação por danos morais coletivos.
Reparação individual - O pedido, porém, foi indeferido pelo juízo da 1ª Vara de Trabalho de Campo Grande, que não identificou no caso concreto ofensa à coletividade. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (MS), para quem o falecimento do jovem, embora resultado de atitudes inquestionavelmente reprováveis, demandaria, na esfera trabalhista, provável reparação individual e não coletiva, pelos danos acarretados aos familiares da vítima.
Dano coletivo - Para o ministro Hugo Scheuermann, relator do recurso do MPT ao TST, não há como dissociar a morte do adolescente das condições de trabalho impostas pela empresa. Ele observou que o trabalho em lava a jatos é insalubre e, portanto, é expressamente vedado a menores de idade tanto na Constituição Federal quando no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069/1990).
O descumprimento dessas normas, a seu ver, configura dano moral coletivo. “O trabalho realizado por menor de idade em condições insalubres ultrapassa a esfera individual de interesse dos trabalhadores, evidenciando-se a lesão aos interesses e direitos de toda a coletividade, relativos à contratação de menor em conformidade com a ordem jurídica vigente”, explicou.
Segundo o relator, não se trata de caso isolado ou mera fatalidade, mas de circunstância que demonstra uma permissibilidade no local de trabalho, com potencial de agredir valores morais de toda a sociedade. “É inadmissível a ‘normalização' no ambiente de trabalho de práticas vexatórias, cruéis e inegavelmente degradantes, que, no caso, inclusive tinham cunho nitidamente sexual, ainda que sob o pretexto de uma relação de maior intimidade”, concluiu.
Trabalho infantil - O valor da indenização será revertido ao Fundo Municipal para a Infância e a Adolescência (FMIA) de Campo Grande para financiar projetos de combate ao trabalho infantil, sob a fiscalização do Ministério Público do Trabalho.