Justiça mineira começa júri sobre mortes encomendadas por policial de MS
Segundo o Ministério Público, Silvio Molina é o mandante do crime; a versão é contestada pela defesa
Começa hoje o julgamento do duplo assassinato supostamente orquestrado pelo subtenente da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, Silvio Cesar Molina, alvo da Operação Laços de Família em 2018. O crime aconteceu em Minas Gerais, mas segundo o Ministério Público, foi motivado pela disputa do controle do tráfico de drogas na fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai.
Molina, Marco Aurélio Scheffer – que seria funcionário no esquema de tráfico do policial – Alan Faria Ruback e o filho dele Gabriel Ferreira Ruaback, foram acusados pela Justiça mineira de envolvimento na execução de Nasser Kadri, traficante conhecido como “Turcão” e Eneias Mateus de Assis, o “Gago”.
Nesta terça-feira (23), apenas pai e filho são julgados no Tribunal do Júri da cidade de Leopoldina. Molina e Marcos Aurélio esperam resposta da Justiça sobre recursos que tentam evitar que sejam levados a júri popular. Mesmo com parte dos réus no plenário, a previsão é de que a sentença só seja definida na quarta-feira (24), isso devido à quantidade de testemunhas e a complexidade do processo, que soma mais de 3 mil páginas.
O homicídio – O crime ocorreu em 9 de janeiro de 2018. Nasser Kadri, o “Turcão”, e Eneias Mateus de Assis foram assassinados em uma emboscada, com golpes de facas e tiros, na zona rural de Recreio, município de Minas Gerais. Depois de executados, tiveram os corpos jogados no Rio Pomba.
Apesar do crime ter acontecido em outro estado, Turcão viveu em Mato Grosso do Sul por anos e protagonizou, segundo a polícia, disputa pelo comando do tráfico de drogas em Mundo Novo – cidade a 463 quilômetros de Campo Grande – com a família de Molina.
Segundo a denúncia do Ministério Público de Minas Gerais, Silvio Molina e Nasser Kadri chefiavam organizações criminosas rivais no município sul-mato-grossense e ao longo dos anos, ordenaram ataques violentos um contra o outro.
Em março de 2015, Nasser e o irmão foram vítimas de atentado. Meses depois, em retaliação, tentaram matar o filho do subtenente da Polícia Militar, Jeferson Molina, que conseguiu escapar e ainda executou um dos pistoleiros.
Quase dois anos depois, um novo atentado terminou com a morte de Jeferson a tiros. Os conflitos e investigações da polícia sobre o crime fizeram Nasser mudar de Mundo Novo para Lagoa Santa, região Metropolitana de Belo Horizonte. Na cidade mineira, vivia com identidade falsa, longe das acusações do interior de Mato Grosso do Sul.
Molina, no entanto, tinha “negócios” com Alan Faria Ruback e o filho Gabriel Ferreira Ruback, ambos moradores de Minas Gerais e durante o réveillon de 2017/2018, em uma festa na cidade de Cabo Frio, Rio de Janeiro, combinou com a dupla o assassinato do rival. O funcionário Marcos Aurélio Scheffer também participou da conversa.
Para matar Nasser, pai e filho simularam interesse na compra de drogas e combinaram de encontrá-lo em uma propriedade rural de Recreio. No dia 9, a vítima viajou na companhia de Eneias, seu funcionário de confiança, até o município, na expectativa de trocar uma carga de drogas por automóveis.
Quando chegaram ao local combinado, no entanto, encontraram Alan, Gabriel, Molina e Marcos Aurélio. Foram encurralados e executados. Segundo os laudos, as vítimas foram esfaqueadas e baleadas diversas vezes. Depois, foram jogadas no Rio Pomba.
Após a execução, alega o Ministério Público, os quatro envolvidos roubaram o carro que estava com as vítimas, uma BMW 320, e o levaram para o Paraná. O veículo foi abandonado e apreendido dias depois, no município de Araucária.
Apesar dos conflitos entre Molina e a vítima, a morte de “Turcão” só foi atribuída ao policial com a Operação Laços de Família. Durante o cumprimento dos mandados busca e apreensão, os policiais encontraram ligações entre os suspeitos e também um celular sem chip em que estava armazenado fotos das vítimas.
Foi a partir disso, que Molina passou a ser apontado como mandante do crime.
Defesa alerta – Mesmo sem Molina estar entre os réus levados a júri nesta terça-feira, o advogado Marcos Ivan Silva, responsável pela defesa do policial, viajou até a cidade mineira para acompanhar as teses da defesa dos outros acusados e também o que o promotor do caso vai alegar durante seu tempo de fala.
Segundo ele, o julgamento é complexo por conta do grande número de testemunhas e de réus. Molina, que seria o cabeça do crime, conforme o defensor, espera a decisão de um recurso que tenta impedir que ele vá a júri popular.
Acontece que o policial foi pronunciado por duplo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, dissimulação e meio cruel) e, para o advogado, não há hoje qualquer prova que colabore com as acusações, ao ponto de o cliente precisar ser julgado diante do Conselho de Sentença de Leopoldina.
Para cancelar as acusações contra Molina, o advogado destacou nas alegações finais o prejuízo causado pela tese adotada pelo defensor anterior a ele, que sequer apareceu nas audiências marcadas e orientou o policial a ficar em silêncio em depoimento. “O prejuízo e mais do que justificado no caso em tela, pois não se defendeu, não houve defesa, não é possível que possamos crer que uma pessoa acusada de um duplo homicídio triplamente qualificado não queira se defender, ou permanecer em silêncio”.
Alegando prejuízo ao processo, pediu nulidade dos atos, mas também destacou a falta de provas para incriminar Molina e mandá-lo a júri popular como mandante de duplo homicídio. “Relendo os autos com bastante propriedade, não vemos nada que aclare qualquer indício de autoria, por conta de ter Silvio Cézar, planejado, arquitetado e determinado qualquer execução”.
Marcos Ivan defendeu que o fato de uma pessoa conhecer a outra, “não pode condicionar a autoria de um ato tão horrendo como o apurado”, reforça a falta de testemunha que ligue o cliente ao caso e definiu as acusações de que o cliente organizou os homicídios por simplesmente estar na mesma festa que os outros acusados como “frágeis demais, até insignificantes”. Alegou ainda que não há “registros seguros” de que os suspeitos saíram de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, e foram para Recreio apenas executar os “inimigos”.
“Narra ainda, sem qualquer filmagem, depoimento, prova, materialidade de provas, que deem suporte ter além de participado, ainda jogado corpo em rio, viajado, se encontrado com outras pessoas, e muita imaginação por conta da polícia”.
O defensor reforça que Silvio não tinha motivo para matar ninguém, que era um policial com honrarias, mas acabou envolvido nos negócios ilegais do filho.
“Ficou cômodo e ótimo para a acusação, escreve o que recebeu de um inquérito cheio de vícios, que tais vícios sequer foram arguidos em defesa preliminar”, criticou o advogado no processo. Diante da situação, pediu a nulidade do processo, a absolvição de Molina por falta de provas e ainda a exclusão das qualificadoras, já que o cliente nunca esteve no local do crime.