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Capital

O golpe não para: esquema que usa R$ 1 trilhão como isca ainda faz vítimas

Há 7 anos, operação da PF expôs promessa de golpistas de retorno de milhões com investimento de R$ 1 mil

Por Silvia Frias | 12/01/2024 16:57
Contrato firmado com enfermeiro e que consta em processo aberto em dezembro de 2023, em MS (Foto/Reprodução)
Contrato firmado com enfermeiro e que consta em processo aberto em dezembro de 2023, em MS (Foto/Reprodução)

“Se não rolar para hoje, tranquilo, desse mês não passa, fiquem tranquilos, desse mês não passa, é 100% certeza.”

Sete anos depois da Operação Ouro de Ofir, o esquema descoberto pela Polícia Federal continua circulando, firme e forte, pelo país. A promessa de retorno milionário com baixos investimentos, possível a partir do pagamento de créditos de R$ 1 trilhão, mantém pessoas presas a grupos de WhatsApp, na esperança de receber os milhões ou, pelo menos, o valor investido.

Comerciante de 42 anos, de São Paulo, que não terá a identidade divulgada, entrou em contato com o Campo Grande News depois de ser alertado por amiga, "que lhe abriu os olhos". Eles pesquisaram o caso e chegaram às reportagens divulgadas pelo portal desde o dia 21 de novembro de 2017, quando a Operação Ouro de Ofir foi desencadeada. A história contada era a mesma, com os mesmos ganhos estratosféricos.

Segundo relato dele, há cinco anos, fez vários repasses, de R$ 1 mil a R$ 3 mil, totalizando R$ 5 mil. A promessa era receber, em doação, valores que variam de R$ 2 a R$ 5 milhões. Até agora, nem sinal de qualquer quantia. “Comecei a questionar, eles estão só enrolando as pessoas”, disse.

No grupo de WhatsApp, com 122 membros, responsáveis pela "operação" postam mensagem para acalmar os participantes e prints justificando as denúncias divulgadas desde 2017, alegando que tudo é mentira e que a inocência dos acusados já foi comprovada. As informações equivocadas fazem parte do esquema fraudulento.

Celso Araújo, dono da empresa Company e principal operador do esquema, chegando preso à PF na terça-feira (Foto: Marcos Ermínio/Arquivo)
Celso Araújo, dono da empresa Company e principal operador do esquema, chegando preso à PF na terça-feira (Foto: Marcos Ermínio/Arquivo)

Isca - O golpe que tem como chamariz a astronômica quantia de R$ 1 trilhão. Segundo investigação da Polícia Federal e denúncias em tramitação na 4ª Vara Criminal de Campo Grande, o valor tem origem na mirabolante negociação de compra e venda de grande quantidade de ouro, negociação que teria sido intermediada por Celso Araújo, avô do empresário Celso Eder de Gonzaga Araújo, um dos acusados pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul).

Os pagamentos dessa suposta transação teriam ocorrido em bancos estrangeiros e, pela intermediação, Celso Araújo teria direito a uma comissão, valor que superaria R$ 1 trilhão. A quantia, embora repatriada, estaria bloqueada pelo Banco Central do Brasil, no aguardo da liberação para aqueles que contribuíssem com a liberação, mediante pagamentos.

Para liberar o valor, as vítimas eram convencidas a “adiantar” determina quantia, chamada de “aporte”. O mínimo seria de R$ 1 mil ou múltiplos desse valor, na proporção de 1/1 ou 1/5. Isso quer dizer que quem pagasse R$ 1 mil poderia receber R$ 5 milhões, por exemplo. Nas ações, contam possíveis doações de R$ 20 ou R$ 50 milhões para quem fizesse os aportes.


Para repatriação, segundo o esquema fraudulento, 40% de uma altíssima soma de dinheiro ficaria com o governo federal, 40% doado como ajuda humanitária (reembolsando os aportes) e 20% para a família Araújo.

Para dar credibilidade ao negócio, os interessados assinam, em cartório, um “contrato de cessão de direitos e obrigações”, em que Celso Eder de Araújo se compromete a doar os milhões como crédito recebível. Segundo a denúncia do MPMS, isso é feito “na intenção de dar um viés de legalidade, credibilidade e validade a um negócio tipicamente fraudulento, uma vez que inexiste qualquer bem em negociação, tratando-se de documento falso”.

Quando a investigação foi deflagrada pela PF, a informação é que pelo menos 60 mil pessoas foram lesadas pelo grupo criminoso.

No caso do comerciante de São Paulo, ele confirmou ter ido ao cartório, mas diz que o nome que consta na cessão de direitos era de outra pessoa e não de Celso Eder.

A “enrolação”, segundo o comerciante, já dura cinco anos. Há pelo menos dois ele começou a questionar de forma mais constante o coordenador da operação, como é denominada a suposta transação sobre a data de recebimento dos milhões prometidos. A pessoa, identificada como Antônio Carlos, diz que isso depende do Banco Central, mas que tudo estava encaminhado.

Dinheiro apreendido na 1ª fase da Operação Ofir, da PF (Foto/Divulgação)
Dinheiro apreendido na 1ª fase da Operação Ofir, da PF (Foto/Divulgação)

O comerciante diz que não tem mais esperança de receber os milhões prometidos, mas gostaria de, pelo menos, reaver os R$ 5 mil. Este mês, o coordenador enviou áudio dizendo que as pessoas tenham "positividade e fé".

A fala evocando a fé faz parte da doutrinação. Parte da “clientela” vinha de igrejas, cujo discurso do Evangelho reforça que os fiéis terão benção financeira. Conforme a investigação, a característica principal da fraude era atingir a fé das pessoas e na crença em um enriquecimento rápido e legítimo, que pode ser resumido em “presente de Deus”.

No grupo de WhatsApp em que o comerciante participa, o Campo Grande News encontrou pelo menos sete telefones com código 67. A reportagem entrou em contato com as pessoas e apenas uma respondeu, dizendo que nunca fechou contrato ou repassou dinheiro para grupo com as características do golpe.

Acusação – Em Mato Grosso do Sul, a reportagem encontrou sete processos em tramitação, sob acusação do artigo 171 (obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento). No conhecimento geral, o estelionato, com pena de um ano cinco anos de prisão.

Das sete ações, três tramitam em segredo de Justiça. Em duas, as quais a reportagem teve acesso, o empresário Celso Eder de Gonzaga figura como acusado do crime de estelionato, juntamente com outras 14 pessoas. A denúncia é de outubro de 2019, em que constam cinco vítimas. Um dos lesados conta que, em 2017, fez quatro depósitos de R$ 1 mil, com promessa de ganhar, em doação, de R$ 10 a R$ 50 milhões.

Relógios confiscados durante operação, em Campo Grande (Foto/Divulgação)
Relógios confiscados durante operação, em Campo Grande (Foto/Divulgação)

A ação mais recente foi protocolada por enfermeiro de 46 anos, do Rio de Janeiro, em dezembro de 2023, em que pede que a Justiça defira o pagamento do dinheiro prometido: R$ 2 milhões. Esta ação tramita na 1ª Vara Civel Residual de Campo Grande, enquanto as outras foram redistribuídas para a 4ª Vara Criminal, onde os casos da Operação Ofir passaram a tramitar, quando saíram da esfera da Justiça Federal.

A reportagem tentou entrar em contato com Celso Eder de Araújo, que figura nas ações da Operação Ouro de Ofir, mas não conseguiu contato com ele ou no escritório de advocacia que o representa.

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